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21.1.08

OS HERÓIS E O MEDO - 153º. fascículo

(continuação)

No canto oposto, estão os balantas acocorados. De fala inteiramente incompreensível, a não ser quando negoceiam com brancos. A Língua Portuguesa é, para eles, subsidiária. Assim como o francês ou o inglês para os metropolitanos. Além de agricultores, são os marnotos da Guiné. Só vendem sal, o fino e alvo sal que lhes enche os balaios em elegantes pirâmides. Parece refinado, de tal modo é isento de impurezas. E, mesmo ao lado, são as bancas de venda do peixe. Estão vazias. Já é tarde, explica o César, quando os dois jovens se aproximam e olham. Fala bem português, o César. Os dois jovens entabulam conversa com ele. E ele não se faz rogado. O negócio do dia já terminou e o tempo sobra para a cavaqueira. É sorridente e afável. Depressa os rapazes ficam a saber ser ele cabo-verdiano e dono dos dois únicos barcos de pesca do alto existentes em Bissau. Duas pequenas traineiras, a desfazerem-se, mas que, duas ou três vezes por semana, dependendo das marés, conseguem apanhar uns largos quilos de taínha. É o peixe comido por quase todos os militares de Bissau até Mansoa. Embora cabo-verdiano, César jura e trejura que é português de gema, desde o dia em que nasceu, lá nos primórdios do século, parece. Os rapazes ficam sem saber se o diz por orgulho impenitente ou por medo conjuntural. Têm a percepção de que César será capaz de vender a mãe, se a oportunidade se lhe apresentar e a mãe ainda for viva. Os rapazes perguntam-lhe se as bancas todas que estão daquele lado do mercado são dele. Não. Uma boa parte delas, aparentemente sem uso, destina-se à venda de carne. Mas a carne mal se vê agora, desde o aparecimento do pessoal bandido. Só as moscas ainda andam por ali. É dia de festa se aparecem à venda umas costelas mirradas das vitelas duras que na Guiné se chamam vacas. Pomposamente.

(continua)
Magalhães Pinto

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