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26.1.08

OS HERÓIS E O MEDO - 158º. fascículo

(continuação)

Na guerra subversiva tudo é súbito, inesperado, excepto o medo e a fome. Um tiro, um só, espreguiçou-se na lonjura da bolanha, sem fraga que o tornasse. Foi um sinal. O cantar das costureiras e de, pelo menos, uma metralhadora pesada, vindo de um e outro lados daquela elevação lá à frente, envolveu a coluna. Apanhada a meio da estreita vereda, a última viatura acelerou em marcha atrás. As restantes tentaram segui-la, Não podiam ficar ali, a descoberto, à mercê do fogo inimigo escondido no arvoredo da pequena colina na frente deles. Os homens seriam pombos em carreira de tiro. O capitão, de vez em quando temerariamente de pé no jipe, fazia sinal para que recuassem depressa. Em campo descoberto, sem qualquer obstáculo de protecção, o único modo de escapar ao enxame de balas a procurar morder a carne macia de jovens, era correndo. Espalmados no chão das viaturas, buscando um impossível abrigo atrás da cabine, os homens contavam os segundos da eternidade existente entre o ponto onde estavam, quase no meio da picada, e o fim da bolanha, lá atrás, a parecer destino inatingível. Alguns não esperaram pela ordem de abrir fogo. Às cegas, descarregavam as armas na colina, único alvo visível, vegetação a tremer de fustigada. De vez em quando, a sibilina música de uma bala inimiga a resvalar no aço das viaturas fazia o medo assumir proporções gigantescas. Os homens sustinham a respiração, suspensos da expectativa de saber onde se deteria o projéctil. Impossível desejo. Os projécteis são mais rápidos do que um pensamento assustado. O fim da viagem de um projéctil ou era desconhecido ou sentia-se antes de se saber. Se é que se chegava a saber.

(continua)
Magalhães Pinto

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