(continuação)
Imagino como deves sentir-te comandante. Esses homens, a dormir no esquife, ficam a dever-te o sono. Eles são heróis. Tu deves sentir-te apenas alguém a cumprir ordens. Renovadas em cada grau da hierarquia. Numa cadeia sem fim. Absurda situação, comandante. Nem a desculpa de seres, tão só, mais um elo na cadeia das ordens te ajuda, comandante. Se não tivesses cumprido as ordens recebidas, esses homens ainda estariam vivos. Tu serias um traidor, um desertor. Um cobarde indigno do comando que tens. Provavelmente, ias para Caxias, como tantos outros. Cairias, desonrado, na praça pública. Chamar-te-iam indigno da Pátria. Mas esses dois homens estariam ainda vivos, comandante. Já alguma vez pensaste se as guerras seriam possíveis com homens incapazes de cumprir ordens. Ou com homens incapazes de dar ordens? Imagino como deves sentir-te neste momento, comandante. Deve ser terrrível dar ordens e ver, depois, dois jovens com todos os seus sonhos arrumados para o caixote do lixo. Porque, sabes comandante, todos os jovens têm sonhos. Aos vinte anos, a vida está aí toda, à nossa frente. Ainda não houve tempo, quase, para sonhar tudo. Ainda fica muito espaço, muito tempo, para sonhar. E muita energia, toda a energia do mundo, para realizar esses sonhos. Para esses dois, comandante, acabou tudo. Por um pedaço de terra. Será que um pedaço de terra vale a vida de um só deles?
(continua)
Magalhães Pinto
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