(continuação)
A secção de Mário foi escalada para montar guarda ao funeral do prisioneiro morto. Manhã bem cedo, ainda aurora, o corpo inerte fora carregado num Unimog e levado para o campo, a um bom par de quilómetros de Mansoa. Em cima da viatura, uma macabra guarda de honra de oito militares olhava, em silêncio, o corpo já rígido a balouçar com os acidentes da picada. Chegados à bolanha escolhida, dois dos homens pegaram nas pás e iniciaram a abertura duma sepultura. Coveiros anónimos de um corpo anónimo como anónimos são os corpos de todos os prisioneiros mortos. O local não tinha sido bem escolhido. A terra ou era dura ou recusava-se a recolher o corpo maltratado do guerrilheiro. Depois de escavarem uma vala com pouco mais de meio metro de altura, os homens, apesar de se revesarem, já estavam cansados. E, no entanto, havia que continuar. Se não ficasse bem profundo, os predadores apareceriam certamente e encontrariam modo de pôr a descoberto o seu jantar dessa noite. A não ser, sugeriu um dos militares, que se regasse o corpo com gasolina e se lhe chegasse o fogo. Mário, o mais graduado, acedeu. Para quê prolongar o sacrifício dos homens, nitidamente enfadados com a missão? Foram à viatura, buscar uma lata com gasolina de reserva. Atiraram o corpo à vala e regaram-no com o combustível. Mário perguntou-se a si mesmo, no recolhimento do seu espírito, se gasolina mataria a sede. Com um isqueiro Zip, daqueles oferecidos no último Natal pelo Movimento Nacional Feminino, chegaram-lhe o fogo. Os homens olhavam, com mórbida curiosidade, para o espectáculo nunca antes assistido.
(continua)
Magalhães Pinto
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