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16.9.09

CRÓNICA DA SEMANA - II

EMPREGOS E TRABALHOS


É quase um mistério. Por mais que muitas teorias tentem explicá-lo. Somos os mesmos. Temos as mesmas necessidades a satisfazer. Satisfação de necessidades que precisa de duas coisas: trabalho e dinheiro. Dinheiro que o trabalho traz. Mas, de súbito, as coisas começam a andar para trás. Deixamos de satisfazer as necessidades ao nível a que estávamos habituados. Primeiro sinal: muitas pessoas começam a ficar sem trabalho. Que digo eu? Será que é o trabalho que falta? Ou, antes, o que falta é empregos? Uma confusão. Há uma confusão tremenda entre trabalho e emprego. E, se há confusão, é preciso esclarecê-la. Por muitas razões. Mas por uma primordial. É que, se trabalho e emprego não são a mesma coisa, há que saber o que devem os poderes públicos promover: o trabalho ou o emprego?

Estas reflexões foram-me despertadas por aquela senhora que conheci há dias. Tem um pouco mais de trinta anos. A sua formação escolar não excede o nono ano da escolaridade. Não tem um emprego. Isto é. Não tem entrada a hora certa numa empresa, não marca cartão de ponto. É remunerada para fazer um determinado trabalho. Usa as horas do seu dia como pode. Vende perfumes e cosméticos. Faz muitas horas de trabalho em cada dia. Não se ficou por isso. Tirou um curso de maquilhagem. Outro de esteticista. Porque faz muitas horas em cada dia, pode não fazer nenhuma nessa actividade se tem oportunidade de ser hospedeira de eventos. Até que chega ao fim de semana. Oferece às pessoas um serviço canino. Se alguém quer sair e não tem aonde deixar o seu cão, ela toma conta dele. Ou na casa do cão ou na sua própria casa. Cuida dele. Alimenta-o. Passeia com ele na rua. Numa gíria bem apropriada neste caso, a senhora vira-se. Faz tudo que seja honesto. Até limpa casas se alguém quer. Chega mesmo a aproveitar as noites para tomar conta de pessoas idosas e/ou acamadas. Esta senhora está cheia de trabalho. E não tem nenhum emprego.

Ao tomar conhecimento do seu caso, lembrei-me do quase meio milhão de pessoas que estão inscritas no serviço de desemprego. E achei que o serviço não devia ser do DESEMPREGO. Devia ser do DESTRABALHO. E se o meu arrazoado está certo, então o que devem fazer os poderes públicos é fomentar o trabalho, não o emprego. A diferença nem sequer é subtil. A primeira grande consequência é que, para receber subsídio por inactividade, as pessoas deveriam provar que não têm trabalho, não é que não têm emprego. Qualquer dia, cada meia dúzia de tansos vai estar a sustentar uma dúzia de espertos. Só porque os tansos procuram ter trabalho e os espertos procuram ter emprego. É que não falta trabalho para fazer. Que é preciso fazer e que muitas pessoas sabem fazer. Há que acabar com a ideia de que as pessoas só sabem fazer dois tipos de trabalho: o do seu emprego e o doméstico da sua casa.

As consequências de encararmos os factos deste modo seriam incalculáveis. É que provar que não se tem trabalho é muito difícil. Porque há muito trabalho para fazer e porque só a incapacidade física justifica que não se faça o trabalho que há para fazer. Claro que arranjar trabalho dá trabalho. É preciso procurá-lo. Dir-se-á: mas é também preciso oferecê-lo. Seguramente. Mas é minha convicção de que não há muita oferta de trabalho porque quem podia oferecê-lo está convicto que a sua oferta cairá em saco roto. Lá por fora, há muito trabalho sazonal que é oferecido ao mercado. E, curiosamente, sempre aparece quem queira fazê-lo. Como é minha convicção de que, sendo certo que não há empregos suficientes, não falta trabalho para todos. O que está instalada, neste nosso país, é uma tremenda preguiça. Tão preguiçosa que nem sequer se dá ao trabalho de procurar trabalho. É mais fácil receber mensalmente o subsídio que deveria pagar a falta de trabalho mas que, verdadeiramente, só paga a falta de emprego.

As coisas estão tão distorcidas que se paga a falta de emprego a quem nunca teve qualquer emprego. Isto é, o fomento social da preguiça começa logo à saída da escola. Porventura, por uma questão de coerência. Pois não é que a preguiça foi logo fomentada ainda nos bancos da escola? Não é que a transição escolar da infância para a idade adulta – que deveria ser um esforço de preparação de todas as pessoas para o trabalho – é, hoje, uma amena continuação dos divertimentos infantis. Nem uma gota de exigência. Nem um pingo de responsabilização. Nem um átomo de apelo ao dever. “Faças o que fizeres, a gente sustenta-te”, é a lição primordial que ensinamos aos nossos jovens.

É esta falta de civilidade, no que o conceito tem de responsabilização de todos no destino de todos, a começar na responsabilidade que cada um tem para consigo próprio, mais do que qualquer outra coisa, que nos está corroendo enquanto sociedade organizada. Há uma perversão no conceito de Estado Social. Normalmente, diz-se que ele procura transferir dos que têm para os que não têm. Isto é uma perversão. A obrigação do Estado Social deve ser transferir dos que podem ter para os que não podem ter. Excluindo das transferências aqueles que podendo ter, não têm por preguiça. Os poderes públicos não têm a obrigação de arranjar postos de trabalho para todos. O posto de trabalho é o próprio indivíduo. Ou trabalha ou não trabalha, é a sua opção. Porque, se verdadeiramente quiser trabalhar, não falta trabalho para fazer.

Não tenho grande esperança de que aquilo que para aqui estou a dizer produza grande efeito. Os hábitos estão por demais arreigados. E o célebre “direito ao trabalho” – que todos temos – foi, com os tempos, transformado no “direito ao emprego” – que ninguém tem. E não se erradicam hábitos dum momento para o outro. Leva uma geração. Por vezes, mais do que uma. Perdemos os bons hábitos de trabalho aí pelo século XVII – o ouro vindo do Brasil era barato – e nunca mais os reencontramos. E a necessidade de angariar votos – que eu não tenho e por isso digo isto – faz com que os líderes do nosso país cada vez os alimentem mais. Sendo certo que, enquanto não reencontrarmos os nossos bons velhos hábitos de trabalho, não nos reencontraremos a nós próprios.

Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, 19/9/2009

1 comentário:

Jose Castro disse...

Eu acho piada à demagogia barata.

A justiça, no caso RESIN, apurou o que tinha que apurar e os resultados, por todos conhecidos, são os deliberados pela justiça portuguesa. Para bem ou para o mal, a justiça, trabalha.

Que se saiba, o presidente da Câmara Municipal de Matosinhos da altura, Narciso Miranda, foi testemunha do processo. E a autarquia que dirigia em nada foi ligada a essa empresa.

Caso tivesse havido algum contacto ou ligação comercial entre a RESIN e a CMM, teria sido com a vereação do ambiente, que por particular curiosidade, pertencia ao actual presidente Guilherme Pinto.

Porque sempre que se desenterram assuntos (neste caso em pura demagogia saloia) sobra sempre terra para enterrar alguém.