O DESASTRE
Sinto, neste momento, uma desolada simpatia por Manuel Ferreira Leite. Uma senhora que é a antítese do político tradicional. Não fala muito. Não é demagógica. Amante do rigor. Profissionalmente competente. Eticamente irrepreensível. Atirada para a liderança de um dos grandes Partidos portugueses num momento em que este se encontrava destroçado mas, súbita e surpreendentemente, com todas as possibilidades de ganhar as eleições legislativas, como as eleições europeias mostraram amplamente. Lançada nas andanças superiores da política nacional por aquele que, com o seu comportamento, viria a fazê-la desbaratar o capital acumulado. Cavaco Silva. Seu Primeiro-Ministro no passado e, hoje, seu Presidente da República. O episódio da presumida vigilância da Presidência da República por parte do Governo é um desastre diabólico cuja principal vítima é precisamente a líder do PSD. Por tudo aquilo que conheço dela, uma vítima inocente, cujo único pecado foi ter acreditado que o silêncio da Presidência significava serem verdadeiras as suspeitas que ali grassavam sobre a dita vigilância. Não há outro modo de interpretar o tão longo silêncio do Presidente. Com uma agravante. É que ao demitir o seu assessor de imprensa (ao que parece, o principal responsável pelos factos na origem do desastre) a escassos dias das eleições, uma vez mais silenciosamente, foi o primeiro, na praça pública, a chamar mentirosa a Manuela Ferreira Leite. Se não estão, no espírito do Presidente, desígnios só acessíveis aos deuses, não se pode imaginar comportamento politicamente mais canhestro daquele que escolhemos para supremo magistrado da Nação. Repito, um desastre. Um desastre que me faz sentir um leve remorso por nele ter votado para meu Presidente.
Estes factos vão ter consequências profundas para todos nós, uma vez que, muito provavelmente, retiram ao PSD e à doutora Manuela Ferreira Leite qualquer hipótese de ganhar as eleições. O que significa que vamos ter o engenheiro Sócrates a chefiar os destinos do país por mais quatro anos. O que significa que, provavelmente, a ele se juntará um próximo Presidente da área socialista, a cobrir as decisões do mesmo. O que significa que, aberta ou ocultamente, vamos ter um Partido Marxista-Leninista (o Bloco, teoricamente localizado nos finais do século XIX) a influenciar as decisões governamentais. O que significa que o Estado vai continuar a ser despesista. O que significa que vamos ter os parcos recursos de que dispomos desbaratados em obras faraónicas. O que significa que, mais tarde ou mais cedo, com o próximo ou qualquer outro Governo que se lhe suceda, vamos ter os nossos impostos conduzidos para níveis por ora inimagináveis. O que significa que vamos continuar a ter falta de exigência nas nossas escolas e, por isso, que as gerações que se nos seguirão vão estar menos preparadas para cumprir o seu papel social. O que significa que a Família vai perder ainda mais a já escassa importância que presentemente tem. O que significa, sobretudo, que vamos continuar a ter um Presente sacrificado em nome de um Futuro que nunca mais chegará.
Este último é um dos aspectos que mais me atrai no discurso e nos propósitos de Manuela Ferreira Leite. Ao contrário daquilo que tenho ouvido desde a Revolução dos Cravos, Manuela fala mais no presente do que no Futuro. O Futuro é um fogo fátuo cujo uso é permanente nos políticos demagógicos. O voto que estes captam, com tal discurso, é o da esperança. Uma esperança permanentemente diluída na dureza da realidade. E, sinceramente, eu estou farto desse discurso. É evidente que não se pode nem deve comprometer o futuro com aquilo que se faz hoje. Mas nós, os que aqui estamos neste momento, temos tanto direito a ser felizes quanto as gerações vindouras. Pensamento para que se estão nas tintas os políticos que querem ter pulso livre para todos os desmandos. É que, se tudo é feito em nome do Futuro, então todas as consequências actuais daquilo que fazem não são observáveis nem sancionáveis. Manuela assumiu, deliberadamente, que queria modificar o Presente. Onde o seu principal adversário dizia que estava a salvar a Segurança Social para o ano de 2050, Manuela dizia que queria aliviar os custos actuais com a Segurança Social já. Onde aquele distribuía computadores – num negócio chorudo para uma empresa amiga – ela dizia que queria aumento da exigência escolar já. Onde aquele dizia que queria um TGV a ligar Porto com Lisboa, ganhando quinze minutos de viagem, ela dizia que queria ajudar as pequenas empresas a empregar mais gente já. Onde aquele prometia mundos e fundos, mais mundos que fundos, ela dizia que não prometia o que não sabia se podia cumprir. E, ao ouvi-la, eu sentia a minha inteligência bem tratada, com o respeito de quem não se diz político de qualidade única numa inteira geração. A minha desolação também tem a ver com isto. Vou continuar a ser tratado como um esvaziado mental, incapaz de fazer uma simples soma de dois mais dois sem a ajuda do “Magalhães”.
Estas consequências – e muitas mais que encheriam, por si só, este espaço que o Director do Jornal pacientemente coloca à minha disposição – terão um tempo de reversão extremamente longo. O único remédio visível seria nós não confundirmos aquilo que Manuela Ferreira Leite disse, erradamente mas de boa fé, com aquilo que ela quer fazer. Seria vermos nela uma vítima e não uma culpada. Mas tal parece impossível. Em política, o que parece é, disse alguém mais sabedor do que eu. E eu acho que tem e continuará a ter razão. Por outro lado, se isto pode ser certo relativamente a Manuela, como é que podemos confiar os destinos do País a gente que age com tamanha inabilidade política? E esta é a última das consequências, lastimável, de tudo isto. A última esperança de que a coisa pública não está inteiramente dependente dos governantes, com os seus interesses e desejos, tem residido no Presidente da República. E agora? Que é feito dessa nossa esperança? Não está feita em fanicos? Para quem se afirmou como não desejoso de intervir na campanha eleitoral, o Presidente da República teve uma intervenção inultrapassável. E não adianta vir dar explicações depois das eleições. Porque, então, todas as consequências estarão imparavelmente em curso. Quando essas explicações chegarem, eu já não ouvirei. Terei, provavelmente, ido à pesca. Estou mesmo a pensar se não vou à pesca já no próximo Sábado, fazendo de conta que as eleições de Domingo nada têm a ver comigo.
Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 24/9/2009
3 comentários:
Dr Magalhães Pinto, tenho muita consideração e estima pelo senhor. Não nos conhecemos pessoalmente, mas já tive oportunidade de ler muita coisa escrita por si e tenho a certeza que estou na presença de um homem inteligente, justo, sensato, bom.
Mas não posso deixar de lhe lembrar que a Drª MFL, independentemente dos atributos que lhe foram atrubuidos, já foi Ministra das Finanças em época mais macia, e Ministra da Educação em época muito mais macia do que a que agora estamos a viver, e o resultado destas suas duas ocupações está longe de poder ser considerado satisfatório. Peço desculpa, mas este País precisava de uma vassourada, que apenas começou...Espero que neste segundo mandato Sócrates consiga concluir o que iniciou, para bem dos meus filhos. Quanto ao BE, é simplesmente espuma...Nada do que o senhor diz é real, pela simples razão de que o Bloco se vai vender por muito pouco. São tão vaidosos, que um simples prato de lentilhas lhes chega. Pode crer.
Cumprimentos.
Inteiramente de acordo com o autor.
Mas vá mesmo à pesca para descontrair e no Domingo exerça o seu direito que se transformou em dever de solidariedade com a(s) vítima(s).
Obrigado pela visita e comentário.
É verdade o que diz. E não posso negar que a Dra. MFL não foi uma boa Ministra da Educação. Das Finanças, peço desculpa, mas foi uma boa Ministra.
Tudo isso não invalida uma outra coisa: o mandato que terminou não passou da venda da banha da cobra. Como, em devido tempo, e numa série de crónicas satíricas - Crónica de El-Rei D. José - eu já puz em evidência.
E, com inteira honestidade, tenho muito receio pelo futuro dos seus filhos.
Os meus cumprimentos
Magalhães Pinto
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