Pesquisar neste blogue

18.12.07

CRÓNICA DA SEMANA (II)

***

Estava eu a ler isto e a televisão, ao lado, a dizer que a nossa portuguesíssima inflação também tinha subido. Quis tirar-me de dúvidas e fiz um telefonema. A como é que está o bacalhau? E o polvo? Fiquei informado. E com ganas de seguir o bom conselho dos preciosos vizinhos fraternais. Se eles, em lugar de comerem peru ou cabrito, vão comer coelho, eu também posso consoar diante do perfume glorioso de uma deliciosa cavala ou de uma ranhosa faneca. Com duas vantagens. Não gasto eu tanto. E, não havendo procura de bacalhau, o preço desce. E descendo o preço do bacalhau, a inflação desce. E, descendo a inflação, ainda tenho o prazer de ficar a saber, antecipadamente, o teor do discurso natalício do venerável Chefe do meu Governo. “Desceu a inflação! Desceu a inflação!”. Claro, já sei também que, no Ano Novo, terei que ouvir os tradicionalistas. Especialmente aquele que ocupa a cadeira do Poder Supremo: “É um assunto muito grave e estou muito preocupado. Mais não digo.”. Ouvidos os dois discursos, terei atingido a perfeição com a minha renúncia ao bacalhau. Terei morto dois coelhos com uma só cajadada. Aliás, estou assim a modos de curioso, para saber se Sua Alteza Real Dom Juan Carlos também vai comer coelho no Natal. Porque, se ele comer coelho, vou para a praça pública exigir que o nosso Primeiro e o nosso Presidente também comam fanecas. Os bons exemplos são para seguir.

Portanto, já preveni cá em casa: este ano não há bacalhauzada! Vamos ter uma fanecada. Mas julgo-me inteligente. E, vai daí, comecei a pensar no resto das comezainas natalícias, a ver onde podia poupar e combater a inflação. Comecei por pensar nos sonhos.

***

Excerto da crónica OS COELHOS E O NATAL - Magalhães Pinto - "VIDA ECONÓMICA" - 19/12/2007

3 comentários:

Tisha disse...

O António, os sonhos não, por favor!!!

O que será deste povo sem sonhos?

É tudo o que nos resta!

Já não há nada de bom com a economia no estado em que esta, com a inflação a subir, com os "camelos" no deserto ao sul, com a politica que temos, a educação péssima, a lastimosa justiça.....

TUDO disto é uma prova dos nossos sonhos não realizados, mas no fundo do coraçao ainda existe uma pequena luzinha de esperança que do sonhos-feitos-pesadelo pode nascer um sonho melhor.

Por isso, não nos tira a última esperança....os sonhos!!

Para além disso, é doce!

MAGALHÃES PINTO disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
MAGALHÃES PINTO disse...

Olá Tisha.

Obrigado pela visita e comentário. Não publiquei toda a crónica, por não serem aconselháveis textos muito longos na Internet. Mas deixo a crónica por inteiro neste comentário.

E por mim não morrerá nenhum sonho!

***

Crónica OS COELHOS E O NATAL (completa)


OS COELHOS E O NATAL

El Gobierno ha dado a los consumidores la receta para capear la inflación y las espectaculares subidas que registran algunos alimentos tradicionales durante la Navidad. El secretario general de Agricultura y Alimentación, Josep Puxeu, ha aconsejado a los consumidores elegir alimentos que no hayan subido su precio, al menos de momento, como el conejo, "una carne sana, ligera, muy apetecible y barata"
Libertad Digital – 15/12/2007

Eis o que eu chamo um bom exemplo. Vem de nuestros hermanos, mas podia bem ser aplicado aqui. Já que os dois governos socialistas da Ibéria andam bastante próximos nos seus indicadores. Particularmente no desemprego e na inflação. Já que o governo de Sapateiro – estou só a traduzir o castelhaníssimo Zapatero – ainda não teve necessidade de fazer nascer os bebés espanhóis nas ambulâncias dos bombeiros. Nós entendemos bem o castelhano, meu Caro Leitor. Mas, para alguma eventualidade, eu traduzo resumindo: o governo espanhol deu aos seus cidadãos o conselho de que comam coelho no Natal, uma vez que o preço desta carne, embora não fazendo parte das tradições do Natal, não foi tão atingido pela inflação. A ideia parece-me imprópria quanto à época. Os coelhos são mais próprios da Páscoa do que do Natal. Mas, caramba!, não se podem meter todos os proveitos no mesmo saco. Estamos a falar da inflação, não da Vida de Cristo.

Estava eu a ler isto e a televisão, ao lado, a dizer que a nossa portuguesíssima inflação também tinha subido. Quis tirar-me de dúvidas e fiz um telefonema. A como é que está o bacalhau? E o polvo? Fiquei informado. E com ganas de seguir o bom conselho dos preciosos vizinhos fraternais. Se eles, em lugar de comerem peru ou cabrito, vão comer coelho, eu também posso consoar diante do perfume glorioso de uma deliciosa cavala ou de uma ranhosa faneca. Com duas vantagens. Não gasto eu tanto. E, não havendo procura de bacalhau, o preço desce. E descendo o preço do bacalhau, a inflação desce. E, descendo a inflação, ainda tenho o prazer de ficar a saber, antecipadamente, o teor do discurso natalício do venerável Chefe do meu Governo. “Desceu a inflação! Desceu a inflação!”. Claro, já sei também que, no Ano Novo, terei que ouvir os tradicionalistas. Especialmente aquele que ocupa a cadeira do Poder Supremo: “É um assunto muito grave e estou muito preocupado. Mais não digo.”. Ouvidos os dois discursos, terei atingido a perfeição com a minha renúncia ao bacalhau. Terei morto dois coelhos com uma só cajadada. Aliás, estou assim a modos de curioso, para saber se Sua Alteza Real Dom Juan Carlos também vai comer coelho no Natal. Porque, se ele comer coelho, vou para a praça pública exigir que o nosso Primeiro e o nosso Presidente também comam fanecas. Os bons exemplos são para seguir.

Portanto, já preveni cá em casa: este ano não há bacalhauzada! Vamos ter uma fanecada. Mas julgo-me inteligente. E, vai daí, comecei a pensar no resto das comezainas natalícias, a ver onde podia poupar e combater a inflação. Comecei por pensar nos sonhos. Mas logo os coloquei de lado. O meu Primeiro não ia gostar. O que ele mais quer é que os portugueses continuem a sonhar. Claro, com muita coisa! A sonhar com cento e cinquenta mil empregos. A sonhar com o controlo do défice orçamental, esse vilão que o força a ver impostos em tudo quanto é euro. A sonhar com a concomitante baixa dos ditos. A sonhar com uma velhice tranquila e assistida. A sonhar com uma casa decente para os que a não têm. Bom, para abreviar as contas, mais sonhos do que os que costumam fazer-se cá em casa para catorze pessoas. Portanto, os sonhos continuam. Agora o bolo-rei? Nada! Estamos numa república. Nada de monarquias. Deixemos o bolo-rei para os vizinhos. Desta vez uma tripla vantagem. Por um lado, não me engasgo com o brinde. Sim, que o meu pasteleiro está-se nas tintas para Bruxelas e continua a dar brindes escondidos no bolo-rei. E eu já ando tão engasgado com a subida dos juros do empréstimo para a casa, que o melhor é não correr riscos adicionais. Segunda vantagem, ajudo a controlar a inflação outra vez e, com isso, reforço o discurso primoministerial natalício. E, terceira vantagem, como eu não compro o dito, sempre sobra alguma coisa para exportar para Espanha, ajudando a balança de pagamentos. É que, ao que consta, a exportação também anda pela rua da amargura.

Eu queria fazer outro corte. O queijo da serra. Cujo preço já ultrapassou, há muito, o do presunto. Mas encontrei grande resistência. “O queijo da serra não dispensamos! É um direito adquirido!”, gritavam todos. Tentei contemporizar. Ofereci-lhes queijo amarelo em alternativa. Que não, isso era para os holandeses, que não têm serras. Acabei por chegar a um acordo de princípio. Eu autorizo que o queijo amarelo seja limiano, mas tem que ser do verdadeiro, do que não emigrou. Ficamos na paz do Senhor, como é de bom tom nesta época. Ainda bem que não apareceu nenhuma CIP metida na negociação. Nunca mais íamos sair do sítio. Aproveitei para abordar os frutos secos. Querem figos?, perguntei eu. Ficou tudo calado. Olharam-me com atitude de quem estava a olhar para o Ministro das Finanças. Sorri, para os tirar de dúvidas. Mas começavam a acostumar-se à ideia dos cortes. Já não protestavam. Fiz uma proposta. Substituímos os figos e as nozes só por pinhões. Aceitaram. E lá vou eu passar o meu próximo Domingo no pinheiral do senhor Espinheira a tentar encontrar alguns pinhões.

Restava o mais dispendioso. As prendas. Não sei se o meu Caro Leitor está a ver o mundo de prendas a que dá lugar uma reunião de catorze pessoas, se for de uma para todas e de todas para cada uma. Faça as contas. Cada pessoa oferece 13 prendas. Como são catorze pessoas, o total de prendas distribuídas atinge o “astronómico” número de 182 prendas. Não podia ser. Tínhamos que reduzir isso. Outro pandemónio. Toda a gente dá prendas e nós íamos suprimir isso? Propus a compra de um skate colectivo. Nem todos sabem andar naquilo, mas os filhos ensinam. Nada. Nenhum acordo. Tive que negociar outra vez. Lá cheguei a uma solução. Toda a gente vai dar a todos e receber de todos, prendas; mas têm que ser todas compradas nos chineses. Claro que isso vai agravar um pouquinho a já tão deficitária balança comercial com a China. Mas não podemos meter todos os proveitos no saco. A política governamental cá de casa é a arte do possível. E, além disso, as excursões do nosso Primeiro para aquela banda, rodeado de comitivas, há-de dar alguns frutos. Talvez não agravemos assim tanto. Até porque, com o crédito que Portugal vai merecendo, talvez os chineses prefiram receber em espécie e aumentem, assim, as suas importações do nosso país. Por exemplo, de bolo-rei, uma vez que aquilo parece também ser uma monarquia.

E pronto. Arrumei a reunião de negócios. Ficando com a grata sensação de estar a ser um patriota. Não será por mim nem pelos meus que a inflação subirá mais nesta época. Mas faço aqui uma jura solene: se, apesar do meu esforço, a inflação continuar a subir, pego na “gangada” cá de casa e emigro para Espanha. Pelo menos, lá poderei continuar a comer coelho. Até porque devo confessar que, ao contrário do engenheiro Belmiro, não gosto muito de fanecas.

Tenha muito Bom Natal e entre o Novo Ano cheio de sonhos, meu Caro Leitor. Para não ter sonhos já basta o resto do ano.

16/12/2007
Magalhães Pinto