Pesquisar neste blogue

22.12.07

OS HERÓIS E O MEDO - 123º, fascículo


(continuação)

Chegado ao seu gabinete improvisado, já no quartel, decidiu-se a telefonar para casa. Apenas tinha falado com Amélia muito brevemente, no momento da chegada, para lhe contar da viagem e do bem-estar após a chegada. Era altura para uma conversa mais demorada. Pediu o número e aguardou pacientemente. Os telefonemas para a Metrópole faziam-se via rádio e era necessário esperar a existência de ondas livres. Enquanto aguardava, alinhou alguns livros numa prateleira improvisada e colocou a Bíblia em cima da mesa de cabeceira. A palavra sagrada jamais o abandonava. O facto dera aso a uma conversa interessante com Ferreira Alves, o segundo comandante, ainda durante a viagem. Este quisera saber de António Soveral como conseguia ele compatibilizar a sua profunda e verdadeira religiosidade com o facto de se envolver numa guerra, na qual necessariamente mataria, ou mandaria matar pelo menos, ofendendo assim um dos mais imperativos dos mandamentos de Deus. Soveral não se perturbou. Eram dois planos completamente distintos, dissera. O dever de obediência a Deus não era o único. Também havia o dever de proteger a Pátria e o seu povo. E, se os inimigos da Pátria usavam a violência, dificilmente a Pátria se podia defender sem a usar também. A lição cristã de oferecer uma face a quem esbofeteasse a outra poderia estar muito bem para um indivíduo, mas não o estava para a sociedade. Alinhada por tal princípio, uma nação estaria condenada ao desaparecimento. E, neste caso do problema português em África, era ainda pior. Tudo se devia ao comunismo internacional. Esses ateus erradicariam o cristianismo da face da Terra, se pudessem. Portanto, era também o cristianismo que se defendia nesta guerra. Um pouco como tinham feito os Cruzados em tempos idos. Até Cristo tinha expulso do templo os vendilhões, à vergastada. E nada como as suas palavras para justificar a atitude. A César o que é de César e a Deus o que é de Deus.

(continua)
Magalhães Pinto

Sem comentários: