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25.12.07

OS HERÓIS E O MEDO - 126º. fascículo

(continuação)

Eram horas de ir falar aos soldados, a aguardá-lo na parada. Era necessário mantê-los despertos e informados o suficiente para não permitir o relaxamento da disciplina e do sentido da sua missão. Iriam brevemente para o mato. Mas ali, em Bissau, onde quase só a presença de milhares de soldados, brancos e negros, fazia lembrar a guerra, a vida era demasiado fácil, muito diferente da que em breve encontrariam. Dirigiu-se à parada. As quatro companhias do Batalhão estavam alinhadas, em formatura impecável. Devidamente uniformizadas e alinhadas. Olhou-os com vaidade, mas também sem ilusões. No mato, todo aquele alinhamento desapareceria. Bastava ver os outros, já com algum tempo de guerra vivido. Mesmo ali em Bissau, onde a disciplina era algo menos flexível do que no mato, cada qual se fardava a seu modo. Ordenada a continência e postos os militares na posição de descansar, António Soveral dirigiu-se-lhes brevemente. Iriam ter duas semanas de prática na carreira de tiro. Participariam em breve numa primeira operação de patrulha e seriam posteriormente colocados em lugar ainda por decidir. Até isso acontecer, recomendou mais uma vez o Comandante, era necessário a aplicação de todos no reforço das suas aptidões de combate. Bastante úteis lhes seriam quando fossem para o interior. Uma outra recomendação importante. Todos, sem excepção, deviam recusar-se a colaborar na proliferação de boatos. O boato era uma das armas mais demolidoras usadas pelo inimigo, sempre tendo em vista desmoralizar as tropas. Era necessário evitar a desmoralização a todo o custo. Não havia, aliás, nenhuma razão para desmoralizações. O inimigo era acossado em todo o território, perseguido sem dó nem piedade, não tinha descanso. Escondia-se na mata e, quando atacava, fazia-o sempre à traição. Era também necessário o maior respeito pelas populações nativas, prosseguiu Soveral. Cada injustiça praticada, cada abuso levado a cabo, era aproveitado pelo inimigo para conseguir mais um apoiante. E as guerras subversivas, como esta, começavam a ganhar-se no apoio das populações. Era preciso fazer de cada nativo um amigo. Mas com cuidado, porque em qualquer um deles se podia esconder um espião do inimigo. À frente da grupo que comandava, Mário abanou quase imperceptivelmente a cabeça.

(continua)
Magalhães Pinto

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