(continuaçao)
António Soveral estava nitidamente perturbado. Tentou dominar a perturbação e raciocinar com serenidade. Era necessário destruir aquele material rapidamente. Mas, se a Rafaela já fora intimada a prestar declarações, provavelmente andava sob vigilância. Olha, vais fazer rebocar o carro para a quinta e guarda-o no alpendre. Fecha-o. Depois pedes ao Ferreira que tente ver qual é o defeito e que o resolva. O Ferreira era o caseiro da quinta. Servidor de fidelidade canina, há algumas décadas já. Soveral sabia poder confiar nele.
Depois de algumas palavras de circunstância, Soveral despediu-se da mulher. Ficou pensativo durante algum tempo. Não conseguia entender como é que a educação esmerada dada aos filhos estava a descambar naquilo. A sua aflição era causada, sobretudo, por ver os sentimentos patrióticos, que com tanto fervor pretendera inculcar na alma dos dois, a dissolverem-se inexoravelmente. Não se sentia capaz de acusar o filho de cobardia na Índia. A culpa nunca era dos subordinados. Por um lado, eram os chefes que moldavam o comportamento das tropas sob o seu comando. E, por outro lado, sabia haver, na guerra, circunstâncias determinantes para comportamentos aparentemente injustificáveis. Mas a filha... Amélia falhara redondamente na sua educação. Censurava-se, agora, por não ter dado mais atenção à educação da filha. Embora também fosse verdade que, uma vez postos a circular na Vida, os jovens iam ser sujeitos a muitas outras influências. E se fossem rebeldes, como Rafaela sempre fora, a contestação à ordem existente estava-lhes na massa do sangue. Qualquer má influência podia gerar mudanças de comportamento apreciáveis.
(continua)
Magalhaes Pinto
Sem comentários:
Enviar um comentário