(continuação)
Seis pares de olhos, negros, profundos, ansiosos, rodeavam Mário. Olhos suplicantes, lhe parecia. Não muito diferente do sucedido em Santa Margarida. Mas lá eram mulheres e aqui eram crianças. O trabalho começava mais cedo, aqui. Uma das raparigas só olhava, enquanto lhe segurava na manga da camisa. Não participava da algazarra. Só agarrava. Só mergulhava nele um par de olhos negros, profundos. Mário ficou perturbado. Aqueles olhos pareciam a nascente dum rio de tristeza. Como te chamas?... Fátima?... Fátima. Curioso. O nome da mulher. Parecia o destino a repetir-lhe a companhia. Muitas Fátimas devia haver no Portugal uno e pluricontinental! A Fé dilatada pelo Império. No espírito de Mário, uma imagem desenhou-se com nitidez. Uma Senhora negra toda vestida no branco do costume. Uma das receitas do regime presente em África. Quanto levas?... Cem pesos por mês? Que é isso de pesos?... Um camarada já batido por um ano de guerra esclareceu. Cem escudos da Guiné. Alto e pára o baile. Quando se tratava de dinheiro, a Pátria já não era una. Mário contratou os olhos tristes, negros, gentios da Guiné, como dizia a canção. De uma menina de Fátima negra. Os outros cinco pares abandonaram-no e partiram a agarrar outras mangas. Branco... Branco... Bô miste lavadêra?... Estava cumprida a primeira tarefa de guerra. Arranjar lavadeira. Mas não acabou a algazarra. Parecia haver uma disciplina qualquer naquela salgalhada estridente. Agora eram os rapazes. Miúdos. Caixas presas ao pescoço, cheias de bugigangas. Bô miste pilha, branco?... Bô miste... Bô miste... Miste missanga bonita pra mandá tua senhora?... Qué mancarra, branco?... Dois saco um peso... E estendiam os sacos de plastico cheios de amendoins. A mesma ânsia de negócio. A mesma súplica nos olhos. A mesma teimosia. Não desistiam, nem mesmo ante um gesto de enfado. Mário escapuliu-se para a caserna.
(continua)
Magalhães Pinto
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