Quando estou a escrever estas notas, faltam quarenta e oito horas para ter início a Assembleia Gera do Millennium/BCP que elegerá uma nova administração. Quando o meu Caro Leitor me estiver a ler, já os resultados serão conhecidos. Santos Ferreira ou Miguel Cadilhe? Os dados parecem inclinar-se para o primeiro. É um bom quadro bancário. O segundo terá perdido, nesse caso. Lamentável para o Banco. O resultado, como aqui disse há duas semanas, não é o mais importante. O que releva de todo este processo é que Miguel Cadilhe, com a sua atitude atingiu vários objectivos. A saber:
- Deu um tom de rebeldia e não aceitação de processos pouco transparentes, venham eles de onde vierem; é um serviço prestado à Pátria, no qual todos devíamos colocar os olhos e sobre o qual devíamos meditar;
- Deu aos accionistas também descontentes com o processo – quantos, se verá na Assembleia – uma alternativa válida;
- Censurou audívelmente o Governador do Banco de Portugal que, consciente ou inconscientemente, voluntaria ou involuntariamente, surge no processo como um auxiliar poderoso de uma estratégia de assalto público ao Poder Financeiro;
- Ajudou a trazer á luz mais relações de financiamento onde surgem, por mais naturais e legais que sejam, teias de interesses recíprocos, onde gestores bancários emprestam milhões a indivíduos que, depois, os apoiam nos seus objectivos individuais ou de grupo;
- Não deixou que tudo isto, que não é pouco, passasse oculto por detrás das pesadas cortinas do Poder invisível.
Serão agora as eleições. Assustados com o caminho que as coisas estavam a levar – de crescimento das probabilidades de Cadilhe ganhar – os aliados do Governo apressaram-se a fazer tábua rasa de tudo o que queriam, para não afugentar parceiros. Surgem, aos meus olhos, vários factos estranhíssimos, associados a personagens chave de toda esta embrulhada. Vejamos dois ou três.
JOE BERARDO
O mais estranho quadro desta exposição. Primeiro, faz um negócio da china com o Governo, tendo por objecto a sua colecção. Depois, é financiado na “módica” quantia de 200 milhões de euros para investir no BCP. Surge, finalmente, como o grande apoiante dos candidatos socialistas – Santos Ferreira e Armando Vara, as duas figuras de proa da lista “governamental” são socialistas de gema – nas eleições a realizar e o grande crítico de Miguel Cadilhe, a quem ridiculamente chega a chamar de velho. Entretanto, nunca mais ouvi falar de uma exigência do Banco de Portugal para que publicitasse as contas da sua Fundação, ao que parece o grande investidor do seu grupo e, também, o grande devedor.
ARMANDO VARA
O mais original. Armando Vara é funcionário da Caixa Geral de Depósitos (CGD). E, não esqueçamos, a CGD é inteiramente controlada pelo Estado e, nessa medida, é sector público. Indigitado para ser Vice-Presidente do BCP. Apresenta um currículo político brilhante e avassalador. E pouco mais. Não sabemos se por modéstia se por inexistência. E fica-se com a inaceitável sensação – talvez irreal, mas aparente, ademais reforçada por essa aberração que é a cedência pelo sector público ao sector privado de um funcionário seu, com direito a regresso – de estarmos diante de um comissário político. Em boa medida, com esta de ir para o BCP e ficar na CGD, ao mesmo tempo, é um digno sucessor de Jardim Gonçalves, que esteve três meses no BPA, como Presidente, já depois de ter aceitado ser instalador do BCP.
PAULO MACEDO
O outro indigitado Vice-Presidente do BCP. Funcionário do mesmo Banco. Ex-Director-Geral dos Impostos. Provavelmente, membro da OPUS DEI (probabilidade que retiro de ter feito o curso da AESE). Não se ousa contestar os eventuais méritos, designadamente na área fiscal, do Dr. Paulo Macedo. Mas a notoriedade do Dr. Paulo Macedo, neste domínio, assenta de modo praticamente exclusivo na cobrança de impostos, com utilização de critérios, de métodos, de processos que fizeram tábua quase rasa dos direitos dos Contribuintes, designadamente dos menos capazes. E, por razões que só ele saberá explicar, não se notaram, durante o seu mandato, significativas medidas de simplificação do complexo e ininteligível sistema fiscal que temos, nem melhorias na eficiência do imposto, na equidade fiscal e na justiça fiscal. Não sei como reagirão os pequenos contribuintes clientes do BCP a tudo isto.
VÍTOR CONSTÂNCIO
O Governador do Banco de Portugal (BP) tem um papel muito sombrio em todo este caso. Nebuloso. Um episódio simples, em que quase ninguém parece ter reparado e que, a mim, me impressionou fortemente, foi a desculpa para o facto de, há cerca de quatro anos, o BP ter mandado arquivar as denúncias de irregularidades praticadas pelo BCP. Foi trazido à praça pública que “ao BP cumpria a vigilância dos critérios prudenciais na administração dos bancos e não a sua conformidade com o mercado de capitais”. Uma desculpa que brada aos céus. Quem financiou as off-shores para aquisição de acções do Banco? Não foi o próprio Banco? E isso não afecta – na medida em que o capital real não é o que aparece nos livros – os rácios prudenciais? Pior do que um acto incompreensível é a sua explicação absolutamente ridícula. A isto, acresceu a precipitada, para não lhe chamar outra coisa, “proibição” de se candidatarem a gestores do Banco, nestas eleições que vão realizar-se, todos os gestores que serviram o Banco num período muito longo, sem excepção. Sombrio, muito sombrio.
O PEQUENO ACCIONISTA
Os factos são conhecidos. Mesmo eu, na sequência da atenção que tenho dado a este problema, recebi muito correio de leitores desconhecidos, pequenos accionistas do BCP, indignados por tudo quanto neste problema lhes sucedeu. Há muita gente – com muito menos possibilidades do que aqueles a quem os gestores “fabricados” emprestam dinheiro a rodos, que perderam muito das suas economias no affaire BCP. A maior parte deles é também Cliente do banco. Qual vai ser a sua reacção ao ver que “vira o disco e toca o mesmo”? Os pequenos accionistas – em conjunto, o maior accionista do Banco – merecem respeito dos grandes accionistas. Tenho muito receio de que ninguém vai pensar neles na próxima terça-feira, 15 de Janeiro de 2008, pelas catorze horas.
Vai ser a Assembleia Geral de todas as decisões. Não apenas daqueles que lá forem votar. Mas também daqueles que, estando de fora, ainda sentem que – tal como aconteceu com a localização do novo aeroporto de Lisboa – podem fazer muito com o seu comportamento para que o país tome o rumo certo, por muito que os detentores do Poder formal lhe queiram traçar outro.
Crónica O DIA DE TODAS AS DECISÕES - Magalhães Pinto - "VIDA ECONÓMICA" - 15/1/2008
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