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1.1.08

OS HERÓIS E O MEDO - 133º. fascículo

(continuação)

Estranho modo de começar a guerra. Aqui vamos nós, sabe-se lá para onde. À procura do que nem sabemos existir. Oxalá isto não dê sarilho. Bem pode discursar o "cavalo branco". Se ele soubesse que lhe chamamos assim. Mais. Se ele soubesse o que nós estamos a fazer, pregava-nos com uma porrada em cima, de certeza. Bem merecida. E se este tipo é terrorista? E se ele nos entrega aos gajos? Ninguém mais vai ouvir falar de nós. Nunca mais me meto noutra. Não há necessidade sexual que justifique este cagaço.


O silêncio no automóvel era pesado. Até o Manuel tinha perdido a sua habitual verborreia. Face ao medo provocado pelo ambiente desconhecido, cheio de sombras num crepúsculo cada vez mais negro, a probabilidade dum castigo aplicado pelo "cavalo branco", nome meio carinhoso pelo qual o comandante era conhecido na gíria em homenagem ao seu cabelo, começava a ganhar tonalidades cor de rosa. A fisionomia da cidade alterara-se novamente. A maioria das casas eram de adobe e cobertas de colmo. Desalinhavam-se ordenadamente, desenhando um labirinto de ruas em terra batida, aqui e além atravessadas por regos a servirem de leito a escorrências de águas sujas. À medida que o táxi avançava cautelosamente, crianças seminuas, quase todas de barriga proeminente, e galinhas escanzeladas, afastavam-se para o lado e ficavam a dizer adeus. As crianças com as mãos e as sobressaltadas galinhas com as asas. Mulheres de capulana atada à cinta e tronco nu, longos seios pendentes, remexiam em potes de ferro com um pau, certamente preparando a refeição da noite, sem sequer levantarem os olhos para a viatura que passava. Mário bebia com os olhos aquelas imagens novas e bizarras para o seu espírito europeu.

(continua)
Magalhães Pinto

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