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15.1.08

OS HERÓIS E O MEDO - 147º. fascículo

(continuação)

Monotonia. Sinfonia de duas notas só, verde e amarelo. É por este lodaçal que nos mandam combater? É por isto que vamos aqui, vida escorrendo ao ritmo das picadelas no terreno, lentamente, como se a projecção da Vida fosse agora em câmara lenta? Outra contradição! Isto não é ritmo para jovens. Aqui vamos nós, a passo de caracol, suspensos da actividade dos picadores. Dependentes do seu bom desempenho. Basta eles passarem em falso uma mina anti-carro e lá vão dez para o galheiro, voando em pedaços mesmo sem serem anjos ou precisarem de asas. E este pó, que parece apoderar-se de tudo. Esta cortina amarelada, a parecer um emporcalhado véu de noiva, diáfano, a velar uma beleza que não se sabe onde está. Os Unimogs já estão amarelados. Os camuflados... as armas... as mãos... os rostos... tudo é amarelo! Até nós. Nos sorrisos. Ou será que são esgares de medo? Mas, em nós, a responsabilidade maior não será do pó. Que sede! E só um cantil para o dia todo. A não ser que nos possamos abastecer nalguma tabanca. Agora sim. Olha o Xabregas. Aquele olhar de menino travesso transido de medo. Parece um miúdo de quinze anos na sua primeira escapadela da casa paterna, numa noite de breu. Se lhe gritassem ao lado, de repente, morria com o medo.

O ronronar dos motores, engatados em primeira velocidade e deslizando a passo, era o único ruído perceptível. Os homens permaneciam calados.

(continua)
Magalhães Pinto

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