O Governo pretendeu colocar em vigor, há poucos dias, uma lei que permitiria aos serviços do Estado ter acesso às contas bancárias do contribuinte que reclamasse formalmente contra qualquer decisão do Fisco que lhe fosse prejudicial. Felizmente, o Senhor Presidente da República teve dúvidas sobre a constitucionalidade dessa lei e submeteu-a a parecer do Tribunal Constitucional. O qual, sem dúvidas algumas, se afirmou contra a Lei. E esta morreu pacificamente. Paz à sua alma. Alguns opinadores, porém, vieram a público defender a Lei. Importa, por isso, compreender o que esteve em causa, para bem percebermos o que estava mal.
Em primeiro lugar, afirme-se que, em Portugal, não existe sigilo bancário absoluto. A Lei prevê – e é possível – que o Estado aceda às contas de um qualquer cidadão. Basta para isso que se julgue com razão e vá a um juiz pedir autorização para o fazer. Se o Juiz considerar que há razões que o justifiquem, concede autorização para que o sigilo seja quebrado. Acontece que o Estado muito raramente recorre a esta medida. O que, face à Lei que o Governo pretendeu promulgar, não se entende.
Em segundo lugar, recorde-se que um dos direitos fundamentais dos cidadãos face ao Estado é justamente reclamar, se necessário for até aos tribunais, contra as decisões desse mesmo Estado. É um direito sem o qual a Democracia se afundaria, porque destruiria completamente o equilíbrio de poderes que são a nossa, de nós cidadãos, maior garantia de justiça. Isto é, ninguém manda tudo. Nem mesmo um Governo com maioria absoluta.
Bem andaram, portanto, o Senhor Presidente da República e o Tribunal Constitucional ao colocar um travão nesta sanha persecutória do Governo. Ao tentar legislar desta maneira, o Governo repetiu aquilo que, a propósito doutras leis, já se referiu publicamente: a arrogância da maioria faz com que os actuais governantes pensem que Portugal é uma coutada sua e que nós somos apenas aldeões a quem se pode tirar a pele quando apeteça.
Contudo, nesta história toda há algo que eu não entendo. Dispondo de maioria na Assembleia da República, o Governo poderia, eventualmente, tentar publicar uma Lei que acabe com o sigilo bancário para toda a gente. Porém clara, aberta, transparente. Todavia, não o faz. Prefere atacar à socapa, como agora tentou. E isto é um grande enigma para mim. Não sei porque assim sucede. De qualquer modo, o melhor é o Governo respeitar os cidadãos que são, ao fim e ao cabo, os verdadeiros detentores do Poder que lhes está actualmente delegado.
Crónica O SIGILO BANCÁRIO - Magalhães Pinto - "MATOSINHOS HOJE" - 20/8/2007
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