(continuação)
Mário pediu licença para se ausentar do quartel. Foi-lhe imediatamente concedida. O mobilizado tinha direitos especiais de tratamento. Cada vontade sua era como se fosse a última vontade dum condenado à morte. Ninguém, nenhum superior, se atrevia a recusar o pedido de um mobilizado. Os companheiros disponibilizavam-se, sem exigências de maior, para substituir os mobilizados nas escalas de serviço. Albergando, na alma, um suave e imperceptível sentimento de alegria por não ter chegado, ainda, a sua vez. O Regulamento de Disciplina Militar não existia para os eleitos da guerra, salvo face a actos de rebelião. Desde que aceitassem partir sem revolta, era como se tivessem deixado de fazer parte dos efectivos. Mário pediu para sair, sem saber o que ia fazer. Não tinha vontade de regressar a casa e enfrentar a tristeza. Para tristeza já bastava a sua. Deambulou pela cidade. Olhava-a com olhos novos. Tantos pormenores nos quais nunca havia reparado. Era como se a cidade, na qual sempre nascera e vivera, tivesse vestido um fato novo. As pessoas cirandavam nos seus afazeres de sempre. Indiferentes. Para elas tanto se lhes dava que houvesse uma guerra como não. Pelo menos aparentemente. A não ser que fossem apenas autómatos, submetidos a uma vontade superior, de títere, a manejar os cordéis. Não teriam filhos, namorados, noivos, esposos, amigos, a partir para a guerra? E se tinham, como podiam andar assim, indiferentes? Mário acabou a viagem sem destino junto ao mar. Dentro em pouco ia atravessá-lo, navegador improvisado à redescoberta de antigas gentes.
(continua)
Magalhães Pinto
Sem comentários:
Enviar um comentário