(continuação)
Hoje, cerca de duzentos milhões de pessoas falam a Língua Portuguesa no Mundo. Cerca de três quartos nessa grandiosa nação, que é o Brasil. Proporção que, inexoravelmente diminuirá com a mais que previsível expansão demográfica dos novos países independentes de África que têm o Português como sua expressão oficial. Populações dispondo de territórios e recursos imensos, capazes de sustentar populações muito mais numerosas. Donde, um potencial de c rescimento demográfico assinalável. Com um dado mais, para ilustrar o nosso pensamento. Hoje, também, as comunidades que falam português espalham-se por todo o Mundo, estão em cada recanto do planeta. Tolerantes. Pacíficas. Servindo ao enriquecimento de muitos países, com o seu labor. Uma força enorme. Económica. Social. Cultural.
É nossa obrigação, no desenho que quisermos traçar do futuro, pensar no que fazer com essa força. Qual é o nosso papel - de todos os que falamos esta bela língua de Pessoa, de Veríssimo, de Pepetela - na estrada que, do passado, nos conduz ao futuro? Que vamos fazer do tesouro que nos foi legado? Como vamos, sobretudo, colocá-lo ao serviço das gentes?
Olhamos em redor e que vemos, desde que Hiroshima colocou um ponto final na História Moderna? O nascer de uma cultura alienante, padronizada, superficial, na qual os valores matriciais são a riqueza e o poder. Onde os valores morais se afundam. Não é por acaso que, nessa cultura, os homens são divididos em "winners" e "losers". Como se viver simplesmente uma vida cheia de dificuldades, uma vida de luta contra as adversidades, e saber conduzi-la, com dignidade, ao fim que todas as vidas têm, não fosse maior vitória do que o maior dos sucessos. As tendências de tal cultura, que se desenvolveram no interregno prolongado até Nova Iorque, no fatídico "11 de Setembro", vão acelerar-se, estão já a acelerar-se, naquilo que será, indubitavelmente, a História Post-Moderna. Não tardará que o Mundo inteiro esteja subjugado a esse novo esperanto que é a língua inglesa. E, com essa subjugação, serão todos os valores morais, espirituais, culturais, que enformam os povos que falam a Língua Portuguesa, a perder-se, arrumados nos arquivos apenas lúdicos da memória.
Eu sei que é difícil, muito difícil, lutar contra esta marcha, aparentemente inelutável, da História. Dirá alguém, com espírito mais prático e menos poético do que o meu, que não há outro remédio. Não seria compreensível que, naquilo a que se chama a "aldeia global", convivessem dezenas de culturas. Uma aldeias, uma cultura, parece ser o motu dos tempos que por aí vão. Vivemos num Mundo onde cada canto está à nossa porta. No espaço de breves minutos, posso ver que tempo faz em Pequim, qual é o programa do Moulin Rouge em Paris e ver duas torres a cair em Nova Iorque. A informação - antigamente apenas de alguns para alguns - é hoje de todos para todos. E gira à velocidade da luz. Bastam apenas algumas horas para um vírus informático, introduzido no circuito nos Estados Unidos, atingir milhões de computadores em todo o Mundo. Posso fazer compras em Taipé, na Florida, ou Círculo Polar Ártico, quase simultâneamente. Tudo em tempo real. E, se o produto comprado for intelectual, posso tê-la em casa naquele mesmo instante. As pessoas deixam-se apanhar no vórtice e, a certa altura, já não são os factos a girar vertiginosamente em redor das pessoas. Já são elas a girar vertiginosamente em redor dos factos. Já ninguém tem tempo para admirar um pôr do sol a pintar rubores em nuvens esparsas, ou para ver o vagaroso desabrochar uma flor, num sinal iludível de que a Natureza não alinha na vertigem global.
Este fenómeno, a que alguém chamou da globalização, trouxe consigo algumas virtudes. Alguns exemplos. A destruição da Amazónia já não é um problema exclusivo dos brasileiros. Tem que ver conosco. Com todo o Mundo. A poluição gerada pela poderosa indústria dos Estados Unidos já não é apenas um problema dos americanos. Tem que ver conosco. Os bens tornaram-se, subitamente, mais acessíveis e mais baratos, contribuindo para um maior bem-estar das pessoas. A ciência progrediu anos-luz em escassas duas décadas, devido ao rápido fluir do conhecimento. Estamos a meia dúzia de passos de poder vergar, perante o nosso querer indominável, as fronteiras to tempo. Já não se pode fazer uma guerra sem encontrar pela frente uma resistência tenaz das pessoas. A globalização trouxe consigo novos valores que, embora nos sejam estranhos, não deixam de ser valores. Seria loucura negar isso. Mas o que verdadeiramente importa é perguntar: a que preço? Economista por formação, não sou capaz de me divorciar da ideia base da economia, que me foi inculcada nos já longínquos anos de formação. Não sou capaz de julgar a valia de uma alternativa sem saber o preço a pagar por ela. O que, em termos económicos, quer dizer "sem conhecer os termos da alternativa ao que avalio". Mas, sempre que chego aqui nos meus pensamentos, sinto-me derrotado. Tarefa inglória! Nunca saberemos o preço a pagar pela evolução histórica, pelo simples facto de que em História, não é possível viver em alternativa e, em História, só vivendo sabemos o que pagamos. Mas algo fica. Mais como sentimento, como pressentimento, do que como conclusão lógica. Estamos a assistir à profunda desumanização do Homem. Estamos a assistir à destruição sistemática daquilo que fazia de cada um de nós uma criatura única da natureza. E isso, meus Amigos, não é bom. Melhor, pressinto que não é bom.
Extracto de uma conferência com o mesmo título - Magalhães Pinto
(continua amanhã)
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