. . . OS SINAIS DO NOSSO TEMPO, NUM REGISTO DESPRETENSIOSO, BEM HUMORADO POR VEZES E SEMPRE CRÍTICO. . .
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29.8.07
A GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DOS PALOP
Aqui há meia dúzia de anos, num jantar semi-oficial em Moçambique, tive uma curiosa discussão com uma personalidade importante da cúpula político-económica daquele país. Eneas Comiche, de seu nome. Então, Governador do Banco de Moçambique. Por razões que já nem recordo, fui surpreendido por uma afirmação sua, algo cruenta - tanto mais que eu fazia parte de uma comitiva que se encontrava naquele país a convite do seu Governo. Dizia ele, a certa altura, que a presença dos Portugueses em Moçambique tinha servido apenas para se apoderarem das riquezas do país. O meu orgulho pátrio, ademais de alguém que tinha feito a guerra colonial, sentiu-se beliscado. E não olhando às conveniências, como muitas vezes é meu jeito, perguntei-lhe:
- Então o Senhor Governador acha que os Portugueses não deixaram, em Moçambique, nada, em troca das riquezas de que se apoderaram? As pontes, as estradas, as escolas, as fábricas?…
A sua resposta foi imediata.
- Tudo isso é muito pouco!, continuou ele. Foi o suor dos moçambicanos que construiu todas essas coisas. Olhe, Senhor Doutor, os moçambicanos começam a fazer as contas com as taxas de porto que Vasco da Gama não pagou quando chegou a Moçambique…
Já exaltado no meu brio e já centrado numa ideia que me aferroava o espírito, eu contestei:
- Provavelmente não pagou porque não sabia a quem pagar, se aos vátuas, se aos macondes… Mas afora isso, os Portugueses não terão deixado mais nada?…
Tão duro quanto eu estava indelicadamente sendo, perante o espanto dos comensais que estavam conosco, ele continuou a negar. O que me levou a fazer uma afirmação rotunda, na qual creio quase religiosamente. Disse eu:
- Engana-se Senhor Governador! Os Portugueses deixaram aos Moçambicanos algo precioso. Algo que, daqui a muitos anos, quando o Senhor Governador e eu já não formos vivos, fará deles uma grande Nação. Tal como aconteceu com o Brasil. Os Portugueses fizeram aos Moçambicanos a dádiva suprema da sua Língua. Uma Língua clássica, bonita, eterna, a que os Moçambicanos, tal como acontece com os brasileiros, saberão dar, no futuro, um acento muito seu, que a tornará ainda mais bela. E, sobretudo, que será o elemento central aglutinador deste grande país, quase oito vezes maior do que Portugal Europeu. A Língua Portuguesa, Senhor Governador, será, num futuro não muito longínquo, o abraço de todas as etnias que ainda têm.
O episódio ficou por aí, porque o líder da míssão entendeu por bem, e bem, colocar-lhe um ponto final. Mas a ideia que então exprimi, num arroubo de Portuguesismo sem vergonha, desempoeirado, ciente dos seus erros mas também das suas virtudes, essa ficou-me para sempre. A Língua é, a meu ver, o elemento étnico mais aglutinador de gentes que existe. Mais do que as tradições, as quais se perdem no tempo. Mais do que a vizinhança, que muitas vezes se volta as costas. Mais do que os interesses, que mudam de direcção quase com a frequência do vento.
Extracto de uma conferência com o mesmo título - Magalhães Pinto
(continua amanhã)
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