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31.8.07

A GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DOS PALOP

(continuação)

Muitos dirão, chegados aqui, que já temos especulação intelectual que chegue. Com a agravante de termos sido conduzidos ao que parece ser uma estrada sem saída. Mas eu acho que ainda falta analisar uma ideia. Será que não podemos compatibilizar o que parece ser um destino inelutável com o aproveitamento das forças que, por sermos diferentes, temos? Será que temos que afogar-nos, anonimamente, no mar dos milhões de milhões cada vez mais parecidos conosco? Ou com quem nos parecemos cada vez mais, o que dá no mesmo? Numa amálgama cultural em que, por não existirem diferenças, nos tornamos insensíveis ao próximo. Só nos sentimos a nós. Será que não temos a obrigação de preservar a nossa cultura, nós, todos aqueles que, quer queiramos quer não, trazemos na alma, desde os fenícios, os gregos, os cartagineses, os romanos, os árabes, os tupi, os manjacos, os maconde, um modo próprio de ser e, sobretudo, de estar? Será que não devemos utilizar a força imensa da nossa cultura comum para não nos perdermos na vala comum? Será que, se nada fizermos, no fim teremos apenas um imenso vazio cultural, isto, é, cultura nenhuma?

A cultura é algo muito vasto. Que percorre a distância que vai do indivíduo à comunidade. Que fixa distâncias e aproxima pessoas. Que aglutina e distingue. Uma espécie de marca que trazemos à nascença. Ainda em potência. Mas cuja realização é a nossa própria realização. Vida fora, sofreremos a influência e influenciaremos a cultura que, de algum modo, é o caldo no qual nos movemos. É o fermento da nossa realização pessoal ou de grupo. Sem exagerar, a cultura somos nós, na parcela do nosso ser que mais nos identifica como espécie, passe o quase pleonasmo, muito especial: o espírito, os valores. Sem exagerar, a cultura é o Homem. E é pela cultura, nas suas mais variadas manifestações, da “pimba” à erudita, da popular à escolástica, da História à Ciência, da Arte ao Saber, que nos valorizamos, que nos desenvolvemos, que nos tornamos cada vez mais perfeitos e, por isso, mais felizes. Uma felicidade assente na nossa diferença e na sua aceitação. Nenhuma outra espécie natural contém tantas diferenças e tão pronunciadas, como a espécie humana. Não no corpo, onde essas diferenças são diminutas, como nas outras espécies. Mas no espírito, nos ideais, nos conhecimentos, nos valores, nos sentimentos, nas manifestações da vontade, onde as diferenças são quase ilimitadas. A cultura é constituída, não apenas pelas nossas semelhanças, mas também pelas nossas diferenças.

De certo modo, a cultura está para a parte mais nobre do nosso ser, o espírito, como os bens materiais para o nosso corpo, para as nossas necessidades materiais. Por um lado, somos nós que os produzimos, tanto a cultura como os bens materiais. E, por outro lado, não podemos viver felizes sem ambos, os bens materiais e a cultura. Todavia, é através da cultura que podemos tornar-nos imortais. O corpo, que produzimos ao longo da nossa vida, esboroa-se, desvanece-sa, desaparece. O produto do nosso espírito permanecerá muito para além da nossa morte, podendo mesmo ser eterno. Do corpo de Camões só resta, na urna que está nos Jerónimos, uma réstea de poeira. A sua obra viverá enquanto houver um homem a falar Português.

Tal como as matérias primas necessárias à produção dos bens materiais são múltiplas, variadas, também a cultura precisa de elementos racionais, de elementos sentimentais e de elementos da vontade. Porque a razão, o sentimento e a vontade são a essência dos homens, do Homem, da Humanidade.

Extracto de uma conferência com o mesmo título - Magalhães Pinto

(continua)

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