(continuação)
O velho capitão Nascimento era, em puros termos da gíria, um “casca-grossa”. Os militares no serviço obrigatório, recrutados à força de lei, costumavam chamar lateiros aos profissionais. Numa depreciativa associação da carreira à marmita de alumínio, companheira de todas as marchas e acampamentos. O “casca-grossa” tinha percorrido a passo todos os postos que distanciam o cabo do capitão. Gastara uma vida nisso. Já devia estar na reserva. Mas, num tempo em que todos os oficiais do quadro eram poucos, face à guerra nos territórios coloniais, a Pátria aproveitava dos mais velhos para cobrirem as necessidades burocráticas de casa. Oficiais como o capitão Nascimento eram as empregadas domésticas duma casa em reboliço. Rosto redondo e figura anafada por anos de feijoadas, faces rosadas do tinto vindo da propriedade herdada no monte original, despertava alguma ternura. À superfície, guardava ainda um aparente ar de disciplina. Mas, no fundo dos pequenos olhos vivazes, havia um brilho de bondade, especialmente quando falava para os "rapazes" acabados de incorporar. Costumava dizer-se confrangido por ver tanta carne para canhão, enquanto afagava com o dedo indicador o lábio superior, geralmente povoado de borbulhas de suor. Nunca se lhe ouvira uma palavra contra a guerra colonial. E, no entanto, era perceptível não morrer de amores por ela. O serviço em África, ao tempo do incêndio mundial dos idos de quarenta, não imprimira nele a magia do negro continente. Pelo menos, de modo suficiente para abençoar a partida de outros.
(continua)
Magalhães Pinto
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