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24.10.07

MEMÓRIA

Temos que dar um desconto. Analisado do ponto de vista do prejuízo provocado nas contas públicas, isto é, ao povo português, o episódio do helicóptero de Lamego é uma ninharia. Todo o prejuízo fosse este. Meia hora? Uma hora? Provavelmente, nem sequer contabilizadas como custo a pagar pelo Estado. Face aos desperdícios do "Porto - Capital da Cultura 2001", por exemplo, aquilo do helicóptero é ridículo. Leio e ouço a girândola de intervenções públicas sobre o assunto, e só vejo política. Uns foram demitidos. Outros despedidos. Outros pediram a demissão de outros. E chegou-se ao desplante de ver alguém, apanhado nas consequências do episódio, a pedir a demissão do Ministro da Administração Interna. Política e mais política. Um dos despedidos apanha uma câmara de TV pela frente e não hesita: "fui apanhado numa teia". A inferência a provocar é a de que estamos face a uma cabala destinada a apanhar inocentes. Estão na moda as cabalas. Há pedofilia e gente fina é considerada presumível delinquente? É cabala. Há um desvio de dinheiros num município e o Presidente respectivo entra em dificuldades? É cabala. Um líder partidário é apanhado pelas escutas telefónicas? É cabala. Eu estou a escrever para aqui estas coisas? É cabala.

Não viria mal ao mundo com esta moda se não fosse algo muito importante. Algo que, presumivelmente, é também uma cabala. É que, de tanto repetida a teoria da cabala,, a propósito de tudo e de nada, arriscamo-nos a perder de vista o essencial dos fenómenos. A certa altura, já não são os fenómenos que estamos a discutir A certa altura, já não são os trilhos da responsabilidade colectiva e individual que estamos a procurar. A certa altura, já só estamos a tentar descobrir os traços mais grossos da cabala. A certa altura, já só tentamos descobrir quem é o autor da cabala. Sim. Porque nisto das cabalas tão em moda, fica sempre por indicar de onde vem e para onde vai a cabala. A cabala passa a ser mais importante do que os seus termos, do que as suas vítimas. A cabala é eleita como sendo a verdadeira responsável de tantos actos, de tantas decisões, de tantos comportamentos, estúpidos, ingénuos, irresponsáveis, prejudiciais, malignos. E, como as cabalas têm a inefável natureza de nascerem, viverem e morrerem incógnitas, a consequência final é que não há responsáveis por nada. Portugal é um país de irresponsáveis.

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Excerto da crónica TEORIA DA CABALA - Magalhães Pinto - "VIDA ECONÓMICA" - 28/9/2003

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