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25.10.07

OS HERÓIS E O MEDO - 65º. fascículo

(continuação)

Já o dia acordara há muito quando Manel se levantou. A fadista estava adormecida numa cadeira a seu lado. Sentado na borda da cama, ainda ligeiramente toldado pela ressaca, Manel olhou-a longamente, adivinhando o sucedido. Mais tarde, endurecido pelos acontecimentos que ia viver, o Manel recordaria o episódio com ternura e gratidão. Embora ausentes da iconografia usada pelo regime para justificar e fazer aceitar a guerra colonial, as mães foram suas personagens principais, talvez mais do que os próprios soldados. Foram elas a dar-lhes o último beijo antes da partida. Ao contrário do publicado na imprensa do regime e do que se ouvia nas declarações oficiais, os filhos eram heróis para as mães no momento da partida, não no momento da chegada. Foram elas a aconchegar-lhes o farnel, feito de presuntos e salpicões, com medo de que não gostassem da comida lá das Áfricas. Foram elas a pensar neles todos os dias, dos cerca de setecentos que esvaziavam a ausência. Setecentos dias em que as mães morriam em cada manhã, para renascerem apenas à noite, quando o sono se apiedava de tanta angústia. Foram elas as primeiras a receber a notícia da morte dos seus filhos, renovando as dores do nascimento. Eram delas, enfim, as lágrimas da mais pura alegria no momento do regresso. Se de facto houve um movimento nacional feminino, digno do louvor da Pátria, foi constituído por essa legião imensa de mães, sofredoras, silenciosamente sofredoras, que sentiu, mais do que ninguém, o esforço de guerra a que foi sujeita toda uma geração.

Vestiu-se e saiu, sem mesmo tomar banho, para não fazer barulho. Daí por dois meses, o Manel apresentou-se em Santa Margarida. Para ouvir, pela primeira vez, a prelecção moralizadora do comandante. António Soveral.


(continua)
Magalhães Pinto

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