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23.10.07

OS HERÓIS E O MEDO - 63º. fascículo

(continuação)

O Manel estava lá quase todas as noites. Nem sempre cantava. Apesar de jovem, os comparsas tinham-no aceite desde a primeira vez em que, levado por um amigo de boémia, lá fora e cantara. Gostavam daquele seu jeito, gingão, atrevido, de cantar o fado. Voz levemente enrouquecida, parecia mais velho do que era. O Manel cumpria, desde há quase três anos, o serviço militar. Ninguém descortinava a razão porque o Manel ainda não fora mobilizado. Afinal, era atirador. Ele costumava disso culpar um amigo seu. O qual, dizia, riscara o seu nome dos arquivos militares, o que lhe permitia desenfiar-se. E desenfiar-se era, em conjunto com orientar-se, a bíblia da maioria dos militares não profissionais. Desenfiavam-se das formaturas ao menor pretexto. Desenfiavam-se das escalas a troco de doenças inventadas. Desenfiavam-se do quartel quando não estava nenhuma chamada em perspectiva. Numa premonição. Como se fosse um treino. Muitos haveriam de saber, mais tarde, na guerra, o enfiamento no fogo inimigo era o fim. Mas, dissesse o que dissesse, ninguém levava o Manel a sério. O que todos pensavam era que o Manel era um gajo com muita sorte. Tudo, para ele, terminava em bem.

(continua)
Magalhães Pinto

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