(continuação)
Quem conhecesse o Manel não o julgaria capaz de cantar um tal fado, recheado de reflexões profundas. Era um estarola, um boémio, capaz das maiores loucuras, a quem um poeta sem fama oferecera aquele poema. Era mesmo conhecido, entre os mais próximos como o MM, o Manel Maluco. Uma conotação pública acentuada pela melena rebelde a enfeitar-lhe a testa e aqueles olhos sempre vivos a dançar, sem poiso nem descanso. Nascera no Alentejo, ali próximo de Beja, onde crescera até concluir a escola primária. Altura em que o pai, em procura de melhor vida, emigrara, com toda a família, para Lisboa. Foi sonho de pouca dura. O pai morrera pouco depois, vitimado pelo desabamento das paredes quando trabalhava na abertura duma vala. A mãe, descambara. Uma amiga levara-a, um dia, a um bar do Cais do Sodré. A partir daí, o Manel ficara mais ou menos entregue a si próprio. Passou a viver de expedientes de rua. Até que uma senhora conhecida se interessou pela sua sorte. Uma cunha e foi recebido na Casa Pia. Aí crescera, sempre vivo e esperto. Conseguira concluir o ciclo preparatório dos estudos secundários. Até à idade do serviço militar. A coincidir, mais ou menos, com o seu aparecimento nos ambientes de boémia. Ávido de viver, era capaz dos maiores excessos. Não faltava quem tivesse visto o Manel com uma piela de caixão à cova. E algumas fadistas, sobretudo as mais entradotas na idade, costumavam sussurrar entre si os prodígios do Manel na cama, em noites inteiras sem madrugada. Facto raro, tais confidências entre fadistas, que da posse do homem tinham, porventura por deformação, um sentido exacerbado. Mas todas elas sabiam que o Manel nunca seria homem duma só mulher. E assim o aceitavam.
(continua)
Magalhães Pinto
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