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31.10.07

OS HERÓIS E O MEDO - 71º. fascículo

(continuação)

A rapariga olhava para ele, fascinada. Como era diferente aquele discurso do sempre ouvido em sua casa. Cheio de generosidade. Um, o de casa, virado para o passado. Outro, o do Zé, virado para o futuro. Um, parado, contemplativo. Outro, em movimento, modificativo. O passado pouco contava para ela, concluiu. E podia o passado contar para um jovem que não via futuro à sua frente? Como era belo o Zé António ao lutar por aqueles ideais. Não havia dúvida, estava apaixonada por ele. E fez questão de não lhe deixar dúvidas sobre isso nos momentos que se seguiram.

Nessa noite, Rafaela leu, pela primeira vez, a edição clandestina do Avante. Na primeira página, em jeito de anedota, um apelo aos jovens. O de se oferecerem como voluntários para o Ultramar desde que quisessem ser heróis com um tiro nos cornos e um sobretudo de madeira. Enquanto isso, António Soveral, na quietude da sala de estar da sua residência, não escondia de Amélia um queixume pela sua mobilização intempestiva, seguramente punição para a firmeza com que procurara a libertação do filho. Na alma, uma ténue inquietude provocada pela vaga consciência de que mal andaria o regime se fosse injusto com aqueles a quem cumpria defender o Ultramar. Mais tarde ou mais cedo, o preço das injustiças viria à superfície e sobrepor-se-ia ao sentimento do dever.

(continua)
Magalhães Pinto

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