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2.12.07

OS HERÓIS E O MEDO - 103º. fascículo

(continuação)

Conduzindo o automóvel pelas ruas de Lisboa, António Soveral mergulhou numa profunda meditação, de semblante carregado. Uma enorme tristeza invadia-o. Um dos seus valores essenciais, o da família, estava ameaçado. E era precisamente num momento difícil como este que o dever o chamava, mais uma vez. A percepção do dever a sobrepor-se à inteligência, não o deixando ver que também ele estava a ser objecto de uma arbitrariedade do Poder. Apenas uma dúvida se instalava nele, subrepticiamente, contornos mal definidos, ainda, pela luta, dentro de si, de valores por igual dignos de protecção. Uma dúvida sobre a justeza da estratégia seguida na resolução do problema ultramarino. De algum modo, a repressão imposta pela guerra e pela necessidade de evitar o alastramento das forças empenhadas na entrega dos interesses portugueses a potências estrangeiras criava novos opositores em cada dia. A repressão do mal fazia crescer o mal. Que estaria a passar-se em milhares e milhares de famílias como a sua, ao verem partir os seus mais queridos para a guerra? Provavelmente, a consciência dos interesses nacionais dizia pouco à maior parte delas, face ao receio imenso de os perder. Isso impunha a necessidade de chefes capazes de entender que os ventos da História ora sopram para norte, ora assobiam para sul. Capazes de conduzir a Pátria, sem medo, pelos mares encapelados de um mundo em convulsão. Tal como tinham feito os de Quinhentos. Mas estavam aí para a frente anos e anos de sacrifícios para as famílias portuguesas. Haveria, na Nação, resistência moral suficiente até à chegada de uma solução qualquer? Sobretudo nas mulheres? São os homens que desencadeiam as guerras. São os homens a fazê-las. Mas são sempre as mulheres que lhes põem cobro. Como acontecera com Lisistrata, na Antiga Grécia. Quanto tempo resistiria a Amélia às suas ausências sem começar a reclamar? Especialmente devendo ficar ela com o encargo de manter a família unida e no bom caminho.

(continua)
Magalhães Pinto

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