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4.12.07

OS HERÓIS E O MEDO - 105º. fascículo

(continuação)

XIV

Chorai, mães. Que se vão. As vossas lágrimas são o mar onde eles vão navegar. Chorai, mães. Dai razão a Pessoa, acrescentai sal de Portugal ao mar imenso. Chorai, mães. Podem calar o vosso desespero, mas não podem secar a vossa tristeza. Chorai, mães. Que se vão. Dois anos não são nada, mas parecem, neste momento, a uma eternidade. Que Deus os traga sãos e salvos. Alguns não voltarão sãos, mães. Outros não voltarão salvos. Outros ainda nem sequer voltarão, mães. Por isso, chorai. Encharcai os vossos lenços com as lágrimas da angústia, com o rio de saudade que vos inunda já. Chorai, mães. Vão aqui seiscentos heróis. A maior parte não ficará a tingir as páginas da História. Nem sequer o vermelho vivo do seu sangue será tinta indelével para que isso aconteça. E, no entanto são heróis. Todos eles. Como se há-de chamar a quem, sem um queixume, abandona a sua vida para defender, dizem, a vida dos outros? Chorai, mães. Chorai pelos vossos heróis anónimos. O anonimato faz deles ainda mais heróis. Partem assim, já ides ver. Debruçados da amurada, a acenar lenços em resposta ao vosso aceno. Também os lenços deles estão encharcados. Mas as suas lágrimas não são queixumes. São já de saudade. Um soldado não se queixa. Um soldado só deve ficar verdadeiramente orgulhoso quando vai para a guerra, dizem-lhes. E eles acreditam. E partem assim. Orgulhosos. Mas quanta saudade embrulha já o seu orgulho! Chorai, mães. Que se vão. As vossas lágrimas são inesgotáveis. Vão durar, pelo menos, dois anos. Um instante transformado na eternidade. Para algumas, as lágrimas vão durar toda a vida. Que importa? É das vossas lágrimas, também, que a heroicidade deles é feita.

(continua)

Magalhães Pinto

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