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13.12.07

OS HERÓIS E O MEDO - 114º. fascículo

(continuação)

XV

Se não fosse a cor amarelada, barrenta, do rio, ali, em frente a Bissau, dir-se-ia estarem ainda ancorados no meio do Mar da Palha, rasando Lisboa. Fora acordado pelo Manel, para assistir aos últimos minutos de navegação, rio acima. Anda daí, turista, estamos a chegar. Prepara-te para as melhores férias da tua vida. Agora, debruçado na amurada do Uíge, Mário olhava a cidade, mais adivinhada que vista. Guardaria para sempre aquela imagem das palmeiras a bordejar o rio. Imponentes, no seu tamanho. Nada das palmeiras raquíticas existentes no Passeio Alegre, no Porto. Embora ainda de lá despertassem uma vaga ideia. Por detrás das palmeiras, casas pintadas de branco ou de ocre, no estilo colonial. Não mais de dois andares. Muitas janelas. Em todas, uma varanda debruava o primeiro andar. Assim a modos daquelas casas feitas pelos brasileiros, regressados dos brasis, lá para as bandas do Minho. Visto dali, do barco, o rio parecia lamber-lhes docemente os alicerces. Na avenida ao longo da margem, fluía um outro rio, de viaturas militares, de quando em vez entremeado por uma ou outra, aparentemente civis. No pequeno cais - um T invertido onde mal cabia um pequeno barco de cabotagem, velho e ferrugento - negros, muitos negros. Parados. Contemplativos. Como resquícios dum tempo há muito morto. Já deviam estar ali muito antes dos portugueses chegarem. A emoção à chegada das caravelas deveria ter sido maior. Deviam estar habituados ao movimento dos navios grandes. Por detrás das palmeiras, o recorte austero dum forte, patine duma era de guerras a brincar, acolhia a reverência respeitosa de um resto de árvore que, a avaliar pelo diâmetro, teria assistido à chegada das primeiras naus.

(continua)
Magalhães Pinto

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