DANÇAS FISCAIS COM CONTAS
Senti tristeza ao ver afastar, do cargo de Director Geral das Contribuições e Impostos (DGCI), o Juiz Conselheiro Armindo de Sousa Ribeiro. Homem de trato humano verdadeiramente exemplar, conheci-o mais de perto quando desempenhou, com excelentes resultados, o cargo de Defensor do Contribuinte. Foram inúmeras as reclamações de contribuintes nas quais interagimos, sempre com resultados concludentes. Desconhecendo as razoes que conduziram ao seu afastamento, não me posso pronunciar sobre isso. Mas que foi afastado alguem com imensa valia humana, isso foi. E a valia humana é sempre a primeira condição a exigir a um funcionário. Sobretudo se for público.
Para o seu lugar, foi nomeado um quadro de uma insituição financeira - Paulo Macedo, do BCP - num processo polémico, que já fez correr muita tinta. E que, muito provavelmente, fará correr ainda mais. Tudo porque, tendo optado pelo vencimento que auferia na instituição de origem, como é seu direito, passou a ser um dos funcionários públicos mais bem pagos, senão mesmo o mais bem pago. Melhor do que o Primeiro Ministro e o Presidente da República. Desconhecendo a valia do senhor, também me não posso pronunciar sobre isso. Esperemos que, tal como foi anunciado, faça jus ao seu salário.
Nao sou dos que, hipocritamente, acham que os funcionarios publicos devem todos ser medidos pela mesma régua. O Estado, se quer ter bons quadros, tem que puxar os cordões à bolsa. Por aqui, nada tenho a acrescentar a priori. Já tenho dúvidas é em que um só homem possa transformar o funcionamento da complicada e burocrática máquina fiscal. Uma máquina envelhecida, desmotivada, onde, ao contrário do que está acontecendo com o chefe, fazer mais e melhor acrescenta apenas mais trabalho. Nem sequer reconhecimento. Vamos ver alguns pormenores à lupa.
Em 31 de Dezembro de 2003, trabalhavam na Administração Fiscal 12.398 funcionários, dos quais 1.334 (± 11%) eram chefes, adjuntos e tesoureiros. Isto é, analisado deste ponto de vista, parece haver condições para um bom funcionamento. Afinal e em média, cada chefe apenas tem cerca de 10 funcionários para coordenar. Retenhamos porém que, muitas vezes, as médias escondem distorções muito grandes. E que pode haver muito chefe que é apenas chefe de si mesmo.
Daqueles efectivos, cerca de 54% são mulheres. Curiosamente, os homens são maioritários no escalão etário superior aos 50 anos. A explicação para este fenómeno não é fácil. Mas não andaremos longe da realidade ao pensar que, a partir de certo momento, a função pública deixou de ser atraente para o sexo masculino. Pela baixa remuneração, porventura. Também pela redução do estatuto social do funcionário público. Não que as mulheres mereçam menor estatuto. Mas porque, dada a sua inserção recente no mundo do trabalho, houve de contentar-se, primeiro, com os lugares deixados vagos pelo homem. E também deve ter que ver com este fenómeno o facto de a sociedade civil oferecer certa resistência à admissão de profissionais do sexo feminino, pelo seu maior carácter absentista.
No absentismo, vamos encontrar uma das grandes explicações para o mau funcionamento da máquina fiscal. Durante o ano de 2003, a taxa de absentismo cifrou-se ao nível dos 6%. Elevada, se a compararmos ao sector privado, onde andará pelos 3,5%. A aplicação simples daquela taxa diz-nos que, em 2003, foram perdidos 185.970 dias de trabalho/homem. Para uma melhor compreensão deste número, digamos que as faltas verificadas são equivalentes à falta de um só funcionário durante cerca de 768 anos. É um número inadmissível. Ele diz respeito apenas à administração fiscal. Mas tem o mérito de tornar público, pela primeira vez, aquilo que será, provavelmente, um dos piores e mais obscuros aspectos da função pública. Faltar-se por tudo e por nada. E, não obstante estarmos aqui perante uma situação de grande possibilidade de fiscalização - 10 funcionários por chefe, em média - a taxa de absentismo atinge valores totalmente desajustados dos valores globais para toda a sociedade. Creio que é cada vez mais urgente que o cargo público deixe de ser vitalício. E que, como em qualquer outro cargo, o funcionário público possa perder o seu emprego se não for produtivo como deve. A função pública não pode, não deve, ser um asilo.
No ano de 2003, os recursos humanos da DGCI diminuiram em 840 unidades. Aqui, pelo menos, funcionou em pleno a determinação do Ministério das Finanças de contenção na admissão de funcionários. Só entraram na administração fiscal 38 funcionários, contra 878 saídas. Este número de saídas não é, seguramente, comum noutros anos. Teve muito a ver com este elevado número de saídas (7% dos efectivos) o novo esquema de aposentação, a vigorar a partir de 2004. Esta redução dramática de efectivos foi provavelmente compensada pelo esforço de informatização dos serviços, que conheceu significativo desenvolvimento no último ano. Ao mesmo tempo possibilitando ao Fisco um maior controlo do cumprimento das obrigações fiscais. Retiramos do relatório da DGCI a seguinte passagem:
"Foram atribuídos meios informáticos a todos os funcionários dos Serviços Locais de Finanças, Serviços Distritais e Centrais. Está igualmente em curso a renovação do equipamento informático antiquado de todos os Serviços, quer ao nível dos computadores, como de servidores, necessários ao bom funcionamento de todas as aplicações locais nucleares, como sejam o Sistema Local de Cobrança ao nível das Tesourarias de Finanças (SLC), o Sistema de Execuções Fiscais nos Serviços de Finanças (SEF), o Cadastro de Pessoa Singular e de Actividade para os Serviços de Finanças e os recentes Sistemas de Liquidação do Imposto Municipal de Transacções Onerosas sobre Imóveis (IMT), Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) e Imposto do Selo sobre as Transmissões Gratuitas, etc.".
Por este lado, compraz-me registar que a Reforma Administrativa - e muito especialmente, a Reforma da Administração Fical - conheceu, sob a égide do Dr. Sousa Ribeiro, um forte impulso.
Não obstante a redução dos Recursos Humanos, mas beneficiando da disponibilidade de outros recursos, designadamente a nível da informatização, a DGCI conseguiu, em 2003, sob chefia do Dr. Armindo Sousa Ribeiro, uma eficiência que podemos ter retratada neste excerto das conclusão do respectivo relatório:
"A execução orçamental superou os objectivos de receita de 2003 (revistos no OE2004) em 7,3%. Nos impostos mais significativos, com excepção do IRC, afectado por uma situação económica especialmente adversa, como é geralmente reconhecido. Em termos de sistema de tributação, para além de disponibilizar novos modelos de cumprimento das obrigações declarativas e de pagamento, colocou-se de pé a Reforma dos Impostos sobre o Património. Na área da inspecção, o que mais ressalta, para além da quantidade das acções realizadas, é a rentabilidade das mesmas, o que confere qualidade à selecção e ao trabalho inerente às acções desencadeadas, num ambiente de redução de recursos humanos. Entretanto, sem perda de receita significativa, foi possível evitar a deslocação de dezenas de milhares de contribuintes aos Serviços de Finanças.".
Creio que o País tem que estar grato ao Dr. Sousa Ribeiro pela gestão da DGCI que produziu. E é com este grau de eficiência que o novo gestor haverá de comparar-se. Pelo muito mais que vai custar, espera-se que, a curto prazo, consiga fazer muito melhor. Senão, melhor seria o Ministério estar quieto e deixar continuar quem estava a fazer um bom trabalho.
Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 2/6/2004
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