Pesquisar neste blogue

2.10.07

CRÓNICA DA SEMANA

Estávamos nas vésperas das eleições legislativas de 1991. Era Filipe Meneses presidente da Comissão Política Distrital do Porto do PSD. Eu era seu Vice-Presidente e tinha também assento, como vogal, na Comissão Politica Nacional (CPN). Devido a esta última qualidade, houve de tomar parte na reunião da CPN que decidiria da composição das listas de candidatos nos diferentes círculos eleitorais, sob proposta das respectivas comissões políticas distritais. Na circunstância, o Presidente do PSD, Cavaco Silva, tinha-se ausentado para os Açores (ou Madeira, já não estou certo), porventura porque já sabia que uma tal reunião era de facas afiadas, com cada um a procurar defender para si ou para os seus apaniguados o melhor lugar na lista respectiva.
Devo dizer que nunca entendi muito bem essa luta, comum a todos os partidos. Para os políticos de profissão, ficar um lugar mais abaixo ou mais acima na lista dos escolhidos tinha (tem) um relevo absolutamente estranho. Era como se a composição das listas definisse uma certa hierarquia, que valeria depois nem sei bem para quê. Mas a verdade é que era uma luta dura, da qual me fui apercebendo à medida que a reunião foi avançando.
A discussão era feita por ordem alfabética e o Porto surgia, assim, relativamente para a parte final. Eu estava bastante tranquilo. Enquanto vice-presidente da Distrital, eu tinha participado na elaboração da proposta de lista respectiva. E estava ainda mais à vontade porque, tendo sido convidado para integrar a lista, eu tinha recusado e, portanto, apenas tinha que me pronunciar sobre outros nomes que não o meu. A lista era relativamente equilibrada. Era encabeçada por Fernando Nogueira, então vice-presidente do Partido. Creio que o segundo lugar estava atribuído a Montalvão Machado (pai). Já não me recordo quem era o terceiro nome, embora tenha uma reminiscência incerta de que era Ferreira do Amaral. E, no quarto lugar, vinha Filipe Meneses, o presidente da Distrital.
Mas a tranquilidade que me possuía e que eu esperava, foi rapidamente quebrada. Montalvão Machado não aceitava ser o segundo nome no Porto. Entendia que a sua história no partido justificava ser o cabeça de lista. O problema estava levantado e não havia modo de forçar que a vontade da Distrital fosse por diante, sem ver estampado nos jornais do dia seguinte a existência de clivagens no seio do partido que aspirava ganhar com maioria. Uns telefonemas para o “chefe”, que estava nas ilhas, trouxeram uma solução. Montalvão Machado transitava da lista do Porto para a de Lisboa, sendo aí colocado em segundo lugar também, mas tendo à frente dele apenas o presidente do Partido e então Primeiro-Ministro. Só que o arranjo impunha que um nome da lista de Lisboa, então já aprovada, transitasse para a lista do Porto. E a escolha recaiu sobre Pacheco Pereira, o qual ocupava o quarto lugar na dita lista. E, para que não houvesse ressentimentos por parte de Pacheco Pereira, seria colocado na lista do Porto no mesmo lugar que ocupava na lista de Lisboa. Isto é, o quarto lugar. Isto é, o lugar de Filipe Meneses. Baixando este de quarto para quinto lugar.
Devo dizer que me empertiguei. Não porque o posicionamento deste ou daquele, fosse em que lugar fosse, me dissesse grande coisa. Mas porque estava a ver que, por um capricho de Montalvão Machado, os dirigentes de Lisboa punham e dispunham dos lugares na lista proposta pelo Porto. E, peremptoriamente, afirmei a minha oposição a que Filipe Meneses baixasse do lugar que ocupava na lista proposta. Quarto era o seu lugar e em quarto deveria ficar. Se toda a gente atribuía importância ao lugar, então o mesmo sucedia comigo em relação à lista do Porto.
A minha atitude provocou um sarilho. Nunca mais saíamos com a aprovação da lista do Porto. Alguns notáveis chegaram mesmo a chamar nomes à minha atitude de não cedência. Um, particularmente duro de ouvir, veio do também vice-presidente Dias Loureiro. Mas a verdade é que não cedi. E, procurando encontrar uma saída para o impasse, fui eu próprio a propor uma solução. Falavam com Filipe Meneses. Se ele estivesse de acordo em baixar um lugar na lista, então eu retiraria a minha oposição. Conseguiram falar com ele era já cerca de meia-noite. Ele não esteve de acordo e a lista houve de ser aprovada com Filipe Meneses no quarto lugar e Pacheco Pereira no quinto. Diga-se de passagem que, durante todo este tempo, Pacheco Pereira, também membro da CPN, se tinha mantido à margem da discussão.
Percebi aqui o que significavam conceitos como os da elite do partido, o que eram os notáveis e o modo como gostavam de conduzir o PSD. E creio que muito do meu desencanto político-partidário, que haveria de comandar o meu afastamento da política activa, adveio de algumas situações semelhantes. Por isso, também, percebi um pouco melhor o que foi a campanha para a presidência do PSD que terminou agora, com a eleição de Luís Filipe Meneses como presidente do partido. Um resultado que será, obviamente, uma desgraça, como disse Mário Soares. Só que penso que ainda é cedo para saber de quem será a desgraça, se do PSD se do PS. É que não deve ser menosprezada a capacidade política de Filipe Meneses. Falta saber se ele terá a energia e a competência suficiente para realizar os trabalhos de Hércules que o aguardam. Entendo, todavia, que se o novo presidente do PSD for capaz de:

- congregar o grosso das fileiras partidárias atrás de um projecto novo, rompendo com os estereótipos de intervenção partidária vigentes no país;
- definir uma política social forte, que, sem agredir demasiadamente a capacidade de iniciativa do país, tenha preocupações com as classes média baixa e baixa;
- definir uma política económica social-democrata, com um mercado interno forte e assente em salários mais altos, sem abandonar e reforçando o esforço da melhoria da produtividade e da competitividade;
- mobilizar em seu redor, como tantas vezes fez no Porto, as chamadas “forças vivas”;
- mostrar-se como homem de lealdade forte – ao seu projecto, aos seus companheiros de estrada, aos seus adversários e ao povo que elege – e afastar de si todos que lhe pareçam oportunistas;
- não ceder em tudo que negue a sua política, mas mostrar-se conciliador naquilo que vá no mesmo sentido;
- não mentir politicamente;
- sobretudo, conseguir fazer esquecer o estado de orfandade em que o PSD se encontra desde o desaparecimento de Cavaco Silva da cena partidária;

então Luís Filipe Meneses pode ir muito longe. E, com ele, o PSD. E, com ele, o País. O estado de desencanto com os socialistas só não colhe expressão mais generalizada porque os cidadãos não encontram a quem se agarrar. Neste ponto, estou em desacordo com a maior parte dos analistas, que entende que Luís Filipe Meneses é para “queimar”. Desde há mais de vinte e cinco anos que muitos pensaram poder fazê-lo. E nunca o conseguiram. Além de politicamente sagaz, Luís Filipe Meneses é um sobrevivente nato.

Crónica SE... - Magalhães Pinto - "VIDA ECONÓMICA" - 3/10/2009

Sem comentários: