(continuação)
Dois anos é muito tempo, devem ter pensado os dois. Pouco depois, com Fátima já mais calma, a olharem-se nos olhos por entre a névoa das lágrimas, mãos dadas numa angústia indisfarçável, decidiram, quase sem falar, antecipar o casamento, previsto para daí a quatro meses. Aconteceria cerca de quinze dias antes da data fixada para se apresentar em Santa Margarida. Restariam, assim, duas semanas para darem uma volta. Uma viagem de núpcias com sabor a funeral. Sentaram-se num dos bancos do jardim, onde se ficaram, silenciosos. O braço direito de Mário dobrava-se em redor dos ombros de Fátima, ainda abalados por um soluço de vez em quando. O sol escondia-se já no fundo do horizonte, pondo reflexos alaranjados por sobre um mar extremamente calmo, como um lago. Sentado na borda do molhe, quase a meio da meia laranja, rosto apoiado nas mãos abertas em leque, o pescador solitário ganhava contornos de estátua, de tal modo permanecia imóvel. Era como se toda a vida tivesse parado. Após longos momentos de silêncio, Mário não pôde evitar um sobressalto. A imagem parecia-lhe de mau agouro. Tinha a sensação de pairar num mundo imaterial onde tudo, subitamente, deixara de ter vida.
(continua)
Magalhães Pinto
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