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12.10.07

OS HERÓIS E O MEDO - 52º. fascículo

(continuação)

Durante quinze dias, Mário e Fátima andaram pelo país. Um pouco ao acaso. Lisboa. Peniche, Caldas. Coimbra. E Fátima. Como se Mário quisesse, de repente, conhecê-lo por inteiro, mas não o encontrasse em parte alguma.


Sobretudo Fátima. Foi um desejo teu, Fátima. Pensei ter sido uma associação do teu nome e da mística do lugar a provocar o teu desejo, minha querida. Perdida a crença nos homens, buscavas a esperança no imaterial, no impalpável, no invísível. Enquanto, recolhida, oravas no silêncio daquele templo enorme, Fátima, os meus pensamentos vagueavam num mar de ideias quase desconexas, algas vagabundas no mar revolto do meu silencioso inconformismo. Se os homens fossem todos felizes, a religião não era necessária. Quem e precisa de Deus se está no céu? Que má ocasião eu estava a escolher para ser blasfemo! E se Ele existisse? A blasfémia poderia trazer-me más consequências.. O melhor era não ser nem a favor nem contra. Se a maior parte de nós não era a favor nem contra a guerra nem contra quem a ordenava, que adiantava ser contra outro qualquer ser todo-poderoso? Embora um mundo de interrogações me assaltasse. Como era possível acreditar na existência de alguém que, pelos vistos, poderia ter criado o Homem do como lhe desse na gana e fizera esta linda obra que andava aos tiros em África. Diziam tudo se tratar de uma questão de dignidade. Que Ele fizera o Homem assim, livre de escolha entre o Bem e o Mal, para revesti-lo da dignidade necessária a um ser superior da criação. Isto é, para que o Homem fosse digno, Ele dera-lhe a possibilidade de ser indigno… Apesar deste deambular quase de raiva e vingativo, uma pequena inquietação ia-se apoderando de mim, Fátima. Inculcada sobretudo pela luz que te iluminava, Fátima. Pelo teu rosto transfigurado. Numa súplica poderosa. Como se quisesses alguém a envolver-me no seu manto protector para que nada pudesse atingir-me. Afaguei-te os cabelos, para acalmar a minha inquietação. Segurei-te na mão. E comecei a fazer um leve pressão para que saíssemos dali. Para acabar com o sofrimento visível que morava em ti, Fátima.

(continua)
Magalhães Pinto

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