(continuação)
Nessa primeira noite dos dias de licença disponíveis, Soveral recebeu um telefonema do Pais, da PIDE. Queria falar com ele logo que possível e ainda antes do seu embarque. Embora não existissem entre eles quaisquer laços de amizade, as suas relações eram cordiais e vinham de longa data. No regresso da sua anterior comissão de serviço em África, o homem da polícia procurara deliberadamente encontros com ele, para ouvir o relato da situação vivida em Angola. António Soveral visitou-o no dia seguinte, logo de manhã. Depois dos primeiros minutos iniciais, gastos na análise da situação política na Metrópole e militar nos territórios africanos, a conversa recaiu na filha do tenente-coronel, Rafaela. Com o polícia a mostrar grande curiosidade sobre o conhecimento tido da vida da filha exterior à família. O instinto de protecção forçou Soveral a mostrar-se reservado. Sabe como é, a tropa deixa muito pouco tempo para eu seguir isso com atenção. É, sobretudo, a mãe a acompanhar a educação da filha. O polícia não abriu imeditamente o jogo e, antes, demorou-se num longo comentário sobre a necessidade de os mais velhos ampararem, guiarem, os jovens, dadas as ameaças de subversão que inundavam o país. Os comunistas mostravam-se extremamente activos. Entre a classe operária e entre os estudantes, principalmente. E a filha do comandante, enquanto estudante, estava muito exposta, como todos os jovens, à influência perniciosa das forças de subversão. Era imperioso compensar tal influência, através do seu acompanhamento e, mesmo, da adopção de uma severa atitude de repressão. A integridade da Pátria estava acima de todos os demais interesses. E a necessidade da sua defesa impunha a não existência de contemplações fosse com quem fosse. À PIDE estava cometida a tarefa de defender o país da subversão e fá-lo-ia, custasse o que custasse. Atingisse quem atingisse. Levado pelo entusiasmo das suas próprias afirmações e tentando fazer humor, afirmou que nem Salazar estava acima de qualquer suspeita. Para logo esclarecer bem tratar-se de humor apenas. Aconselhava, pois, o senhor tenente-coronel a encontrar modos de controlar melhor a sua filha.
(continua)
Magalhães Pinto
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