(continuação)
E os fadecos aconteceram mesmo, já ia bem comida e bebida a noite. Mais bebida que comida. Era meia-noite, mais ou menos. E os dez galfarros, espírito toldado, deram em cantar a plenos pulmões pelas mais velhas ruas de Abrantes. Insólita serenata em insólito lugar, a insólita hora. Mas ninguém parecia notar o insólito. Moradores estremunhados vinham às janelas, com cara de poucos amigos. Vendo serem soldados os autores da mal-amada brincadeira, perdiam a vontade de reclamar. O país tinha uma paciência enorme para aturar despedidas. Até duas jovens, em camisa de noite a deixar adivinhar o vale entre os seus seios, se deixaram ficar à janela, sorridentes, acompanhando o coro quando este se fazia ouvir. "Os teus olhos…", berrava já mais do que cantava o Manel. Ao que os outros nove companheiros, vozes ainda mais roufenhas pelo vinho, respondiam: "Negros, negros…". Para coroar o estapafúrdio, até o únivo vendedor de instrumentos de Abrantes desceu, em pijama, do primeiro andar à loja para fornecer ao violista um dobrão, entretanto rebentado. Que ofereceu.
(continua)
Magalhães Pinto
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