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24.5.08

OS HERÓIS E O MEDO - 271º. fascículo

(continuação)

Soveral fez as suas orações e preparou-se para adormecer. O rapaz não podia deixar de ser castigado. Mas consultaria o travesseiro sobre o castigo a aplicar.

Na manhã seguinte, mandou chamar os quatro homens vindos de Mansabá. Os cantores da canção proibida. Fê-los esperar na antecâmara do seu gabinete. Queria falar com um de cada vez. Deixou, propositadamente, José António para o fim. Dos restantes três, ficou a saber pouco mais do que aquilo a que tinha assistido. Disseram ter tido apenas a intenção de participar na festa. Na dúvida se eles tinham sido apenas instrumento ou responsáveis, Soveral não insistiu. Em tal caso era melhor agir discretamente. Por fim, entrou José António. Fez a saudação militar com aprumo e assumiu um ar altivo, em sentido, na frente do comandante. Não obedeceu à ordem de “à vontade”. Continuou em sentido. Soveral perguntou-lhe se ele sabia as implicações do que tinham feito. Sim, respondeu. Mas toda a responsabilidade era dele. Os outros nem conheciam a canção. E sim, estava preparado para arcar com a responsabilidade correspondente. Se tivesse nova oportunidade, voltaria a fazê-lo. O que os responsáveis políticos faziam à juventude portuguesa era inaceitável. Os povos de África tinham direito à autodeterminação e à independência. Tal como os Portugueses o haviam tido, muitos séculos atrás. Mansoa, Mansabá, Bissorã, Olossato, podiam todas chamar-se S. Mamede. Além disso, o futuro do país estaria irremediavelmente comprometido se o melhor da Pátria continuasse a ficar estropiado em África, mais do que fisicamente, moralmente. Nenhum de nós voltará a ser o que era, meu Comandante. O respeito que os seres humanos devem merecer uns aos outros é abafado aqui, meu Comandante. Asfixiado. Morrerá em muitos de nós. A Pátria, sempre tão solidária, tornar-se-á menos. E os reflexos do desastre não acabarão numa geração. Não seremos apenas nós a ficar com defeito, meu Comandante. Porque os novos gerados também são produto dos que os antecedem. E, se estes são defeituosos, só por acaso os novos vindos o não serão.

(continua)
Magalhães Pinto

1 comentário:

Anónimo disse...

Well, all I can say is. Im hungry.