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24.3.11

CRÓNICA DA SEMANA

(escrita terça-feira, 22/3/2011)a
BURACO

Quando estas notas virem a luz do dia, é bem provável que já algo se tenha clarificado e haja sido dado um passo importante para sairmos desta confusão toda em que estamos metidos. Embora eu pense que não vamos gostar de saber tudo o que se saberá quando a poeira assentar e tivermos mudado de governo. É com a maior preocupação que aguardo esse momento. E a honestidade, a verdade, que teremos de exigir a quem venha a seguir. Uma preocupação quase tão grande como a premonição de que vamos saber que o descalabro de Portugal é bastante maior do que aquele que nos tem sido contado. Maior dívida. Maior défice. Maior depressão.

Vamos lá a ver. Já há bastante tempo que vimos contraindo empréstimos a taxa de juro elevada. Juros esses que hão de ser pagos periódicamente. Cada seis meses para o crédito a longo prazo. No vencimento para o curto prazo. Mas como a situação económica tem estado – segundo dizem – estagnada e a subida dos impostos é muito recente, a dívida seguramente tem crescido ao ritmo que os juros se vencem. E, como já referi nesta coluna num outro comentário, há uma “pequena” manobra escondida no modo como as contas públicas nos são apresentadas. Assim, aquando do Orçamento, o défice, a dívida, o crescimento económico são-nos apresentados numa óptica de contabilidade nacional; emquanto, durante o ano, os números que nos são apresentados são-no numa óptica financeira. A diferença é que, enquanto a primeira leva em conta as grandezas resultantes de um ano de actividade, a segunda só leva em conta o movimento da “gaveta do dinheiro”. Isto é, a segunda pode estar influenciada por aquilo que o Estado deve mas não paga, resultando uma dívida menor do que é, na realidade, bastando, para isso, que o Estado se atrase nos pagamentos. Há toda a probabilidade de que a dívida do país seja maior do que a anunciada. Mas, se assim for, também o défice orçamental de que se vem falando, a redução de despesas do Estado que é referida, também ela está inquinada. E o défice será maior do que o anunciado.

Para a situação económica do país – a crescer ligeiramente, estagnada ou a decrescer – é mais difícil sabê-lo antes de contas feitas em final do ano. Mas há um indicador precioso para chegar a “palpites”: o desemprego. Vejamos outra vez. Se a situação económica do país se mantém mais ou menos estável, isto é, próxima do zero de crescimento, não há razão para que o desemprego cresça desmesuradamente. A produção nacional mantém-se mais ou menos constante e não se modificando, de um instante para o outro, a combinação dos factores de produção, então o emprego tende a manter-se estável. Não cresce o emprego mas também não há razão para que o desemprego cresça substancialmente, para além do que é a variação de emprego que as pessoas conhecem. Mas, se olharmos para a evolução da taxa de desemprego, que vemos? Ainda há uns dois anos, ela andava pelos sete por cento, mais ou menos. O ano passado atingimos a mágica cifra dos dois dígitos – dez por cento – e já vamos agora a rondar os doze por cento. Isto é, doze em cada cem portugueses em idade de trabalhar e com vontade de trabalhar não encontram trabalho. E, desde doze, cinco perderam o seu emprego nos últimos dois anos. Só pode haver uma explicação para isto. A produção nacional decresceu substancialmente. Mas como nunca andamos, nos últimos anos, muito longe do zero de crescimento, isso quer dizer que estamos, muito provavelmente, em depressão real há já bastante tempo. E só agora o Governo assumiu que a nossa produção vai decrescer este ano. Ele, Governo, diz que vai, só este ano, baixar para além do zero. Eu, baseado neste raciocínio sobre o desemprego, digo que vai descer ainda mais.

Dir-se-á: mas qual a importância disto? Que interesse tem saber que o buraco é ainda maior? Buraco é buraco e temos de sair dele. Mas eu entendo que o interesse é máximo. Porque tudo indica que, não tarda nada, vamos ter de voltar às urnas para escolher quem nos governará em tempos que continuarão a ser muito difíceis, como disse acima provavelmente mais difíceis do que estamos a contar. E essa escolha tem de fazer uma condenação muito clara do uso da mentira para enganar o povo e tem de fazer a afirmação muito clara de que não suportaremos mais mentiras da parte dos governantes. E que o uso da mentira nos conduzirá à rua, como último recurso para sermos governandos como merecemos e queremos. É assustador pensar que vivemos os dois últimos mandatos de governação chefiados por um homem sobre o qual, logo desde o início, recaíram dúvidas e suspeitas de que estava a mentir a propósito dos mais variados assuntos. Mesmo que generosamente se entenda que a maior parte do que se disse ao longo dos últimos seis anos, a propósito dele, foram atoardas carecidas de verdade. É que o presidente do governo é uma espécie de mulher de César e, à mulher de César, pede-se não apenas que seja séria, mas que também o pareça em todas as circunstâncias. Mesmo que, generosamente repito, se entenda que foram atoardas sem base verdadeira, uma outra verdade ressalta com nitidez: só foi possível atirá-las para a praça pública e colherem tanta credibilidade porque o Primeiro-Ministro, através de uma vida cheia de sombras, se pôs a jeito delas. Não podemos ter um Primeiro-Ministro assim. Mais, temos de ter um Primeiro-Ministro que, à primeira suspeita não imediata e claramente esclarecida, se demita do seu cargo. É praticamente tão mau, para a saúde do país, ter um Primeiro-Ministro desonesto como ter um Primeiro-Ministro que pareça desonesto. É, porventura, o maior buraco de um país uma tal situação. Sintetizando ainda mais, é pior para um país ter um berlusconi que participe e assuma que participa em orgias do que ter um salazar já velhote que pareça andar em orgias.

Temos, pois, que nas próximas escolhas dos portugueses sobre quem deverá governá-lo, a consideração deste aspecto deva estar à frente de todos os outros. Se tivermos governantes que nos digam a verdade, por muito má que ela seja, e nos convoquem para os sacrifícios necessários. Nós seguramente os assumiremos. Não seria a primeira vez na nossa História que o faríamos. Mas se houvermos de viver nesta atmosfera de suspeita e de mentira, permanentemente atirada aos quatro ventos e diariamente desmentida, então não será possível convocar ninguém para o esforço necessário.

Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 24/3/2011

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