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31.3.11

CRÓNICA DA SEMANA

A CULPA

Alvíssaras. Finalmente, uma boa notícia. Essa enguia permanentemente escorregadia chamada culpa foi apanhada pelas guelras. Isto se uma enguia tem guelras, o que me parece que não. Essa filha espúria da boa maneira de ser português chamada culpa ganhou lugar na sociedade. Essa filha de uma prostituta, cujo pai sempre esteve perdido na bruma da confusão, encontrou o dito com bilhete de identidade, retrato nos jornais e menção em todos os telejornais. Tem um nome sonante, bem português, filho querido da pátria do “ão”. Chama-se Oposição. Cessem as dúvidas, esqueçam-se os mil e um casos onde não foi encontrado o progenitor, passemos uma rodilha sobre a sujidade sem autor, que não há mais que procurar. Os mercados estão zangados connosco? A culpa é da Oposição. Os juros da dívida soberana crescem? A culpa é da Oposição. Vamos gastar um balúrdio a fazer umas eleições estúpidas e desnecessárias? A culpa é da Oposição. Os bancos têm dificuldade em encontrar financiamento? A culpa é da Oposição. A segurança Social tem o futuro comprometido? A culpa é da Oposição. As falências estão a aumentar a um ritmo assustador? A culpa é da Oposição. O desemprego cresce a ritmo exponencial? A culpa é da Oposição. Não se faz o Novo Aeroporto de Lisboa? A culpa é da Oposição. O TGV vai-se ficar pela raia? A culpa é da Oposição. As costas do Hulk – não o do Porto, o da banda desenhada – são anoréxicas quando comparadas com as costas da Oposição.

Mas há mais. A senhora Merkel perde eleições? A culpa é da Oposição. Portuguesa, não a dela. O Euro está em crise? A culpa é da Oposição. O Orçamento foi aprovado com a ajuda da Oposição? É evidente. A culpa é da Oposição. E os juros da dívida começaram a subir e os mercados a dizerem que Portugal ia pedir ajuda. O PEC1 foi aprovado com a ajuda da Oposição? É ainda mais evidente. A culpa é da Oposição. E os juros continuaram a subir e os mercados a dizerem que Portugal ia pedir ajuda. O PEC2 foi aprovado? Já entra pelos olhos dentro. A culpa é da Oposição. E os juros continuaram a subir e mais gente nos mercados continuou a insistir que Portugal ia pedir ajuda. O PEC3 foi aprovado com a ajuda da oposição? A evidência é uma certeza. A culpa é da Oposição. E os juros continuaram a subir e os mercados a dizerem que já só o FMI nos salva. O PEC4 não foi aprovado. A Oposição disse que não ia mais em cantigas. O Carmo desfez-se e a Trindade desapareceu. A culpa é da Oposição. E, mais, os juros só sobem e a ameaça de intervenção do FMI nos nossos negócios só existe por culpa da Oposição. E, para que não estem dúvidas, forma-se um coro. Com a senhora Merkel como solista, mas bem acompanhada por Sarkosis, Durões, Trichets e o inefável Silva, por vezes conhecido como Augusto, o Imperador. A culpa é da Oposição, entoam em coro.

Mas há mais. Para trás, perdida nas brumas do esquecimento, fiou uma montanha de factos. O crescimento brutal da despesa pública. O projecto megalómano do Novo Aeroporto de Lisboa. O sonho mirabolante do TGV. Os contratos sem concurso, como os do computador Magalhães. Os ordenados chorudos de assessores e consultores no momento de contratar. As indemnizações ainda mais chorudas a assessores e consultores no momento de despedir. O desperdício brutal dos recursos públicos. O governo sem rei nem roque do NOSSO dinheiro. Ainda bem que tudo isto ficou esquecido. Porque, se não o fora, a Oposição haveria de arcar com amis algumas vultuosas culpas.

Perdoe o meu Caro Leitor por sair fora da seriedade exigida a esta coluna. E o Director do Jornal por abusar do espaço em historietas. Mas tudo quanto ficou para trás faz-me lembrar aquela história do casal que vai jogar uma partida de golfe em pares. Começam com um buraco Par 4. Isto é, o normal é meter a bola no buraco em quatro tacadas. Sai o marido que, com uma pancada excepcional, coloca a bola a 200 metros, bem no meio do fairway. Segue-se a mulher. Com uma pancada desajeitada, põe a bola no meio das árvores. Depois de procurar a bola durante dez minutos, o homem encontra-a e bate-a com imenso cuidado, colocamdo-a no green, a meio metro do buraco. Para a mulher falhar, na quarta pancada, terminar o percurso. Com a bola a três metros do buraco, o homem lá consegue terminar. E comenta para a mulher:

- Vê lá se jogas com mais jeito. Fizemos uma pancada acima do par…

O que mereceu uma resposta lapidar da mulher:

- A culpa é tua! Das cinco pancadas, eu só dei duas!...

Trágico destino o nosso, português. Dizia há dias uma comentadora de uma rádio espanhola, quando José Sócrates, na Assembleia da República, abandonou com altivez os representantes do seu Povo:

- Que tristeza! Como é que um país tão belo pode ter tão maus políticos…

Uma falta de qualidade que se não entende. O político, antes de ser político, era uma pessoa "normal". Normalidade feita de virtudes e defeitos, naturalmente. Feita de verdades e mentiras, também. Mas, por outro lado, feita de razões e de emoções. Esperar-se-ia que o político trouxesse para a política o quadro normativo do seu comportamento anterior. E pode-se mesmo crer, honestamente e em muitos casos, ser esse o desejo e a esperança do político iniciante. Mas são ilusões de noviço. Chegado à política, ao político não se apresenta senão uma alternativa. Ou deixa para trás os seus ideais, as suas ilusões, as suas emoções, os seus sentimentos pessoais, a sua sinceridade, a sua honestidade, quase ia a dizer a sua humanidade, ou, na política, não passará da porta de entrada. Será inexoravelmente um derrotado. Será vencido pelos capazes de fingir, de mentir, de sobrepor à realidade a fantasia das palavras. A política, de socrática e eventual ciência ou arte de dirigir, de governar, a vida das sociedades, está transformada na ciência ou arte do uso da palavra. Política não é hoje senão retórica. E nessa retórica nos perdemos.

Enquanto a esperança de nos vermos sair do atoleiro em que a falta de qualidade política nos meteu, vamos assistindo a este triste espectáculo que nos toma por mentecaptos.

Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 31/3/2011

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