Desdobro algumas folhas do meu computador. Leio o que pensei e escrevi há tanto tempo. E, supreendentemente, verifico que podia publicá-lo agora com perfeita actualidade. Quase dez anos depois. Prometo trazer aqui algumas dessas folhas. Para que nãp esqueçamos. Para que reavivemos na memória que nós, Portugueses, estamos parados há muito tempo.
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SINAIS DOS TEMPOS (27 de Agosto de 1998)
Basta um nada de atenção para nos apercebermos como os tempos começam a ser profundamente diferentes. Para darmos conta de como esta coisa da Europa vai modificar significativamente as regras do jogo na nossa economia. Mais do que estar tecnicamente preparado para enfrentar a realidade europeia com Portugal lá dentro, é bom que os agentes económicos portugueses se preparem psicologicamente para o novo modo de funcionamento das coisas.
Na última semana aconteceram dois fenómenos que marcam, a meu ver, de modo iniludível, as mudanças que aí vêm a caminho. Passemos sobre elas um relativamente apressado olhar, para daí extrairmos algumas conclusões.
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Apresentação do Relatório do Banco de Portugal sobre o estado da economia portuguesa e sobre o seu previsível futuro próximo. De repente, damos com o Governador do Banco de Portugal a pespegar na nossa cara com a afirmação de que os salários não poderão crescer nos próximos dois anos. Aliás, foi assim que a sua comunicação foi anunciada na comunicação social, embora me pareça que não foi muito bem isso que ele pretendeu dizer. Pareceu-me, antes de tudo, que ele pretendeu atalhar reivindicações salariais demasiado fortes, num momento em que afirmava estar a economia portuguesa nos seus melhores tempos. Mas a verdade é que foi daquele modo que a mensagem passou para a opinião pública.
Passemos por cima de que, simultâneamente, António de Sousa augurou, para o corrente ano, um crescimento relativamente grande para o Produto português - acima dos 4%. Não relevemos a nossa incompreensão para o facto de que, visto por um lado diferente, esse Produto é sensívelmente igual ao somatório dos salários com as rendas, os juros e os lucros. E façamos de conta que não sabemos que, a ser assim, com o Produto a crescer mais de 4% no ano corrente, se os salários não podem aumentar, então só podem aumentar as rendas, os juros e os lucros. O que é, no mínimo, esquisito ponto de vista. Demos tudo isso ao diabo. E fiquemo-nos apenas pelo que o fenómeno tem de mais significativo para o que, hoje, aqui nos interessa.
De algum modo - e honestamente admitindo que o Senhor Governador não nos veio trazer um recado encomendado - esta atitude de António de Sousa traduz algo que já vai correndo por essa Europa fora. A perda de capacidade dos políticos para definir políticas, cabendo aos Bancos Centrais, naquilo que é, a meu ver, uma exagerada competência técnica, definir o que pode e o que não pode ser.
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Estão em curso as negociações de um acordo bilateral de comércio entre a Comunidade Europeia e um outro espaço económico alargado, o Mercosul. O Mercosul integra, como se sabe, o Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai, tendo o Chile como membro associado e provável futuro membro de pleno direito. Na semana que acabou, os membros do Mercosul, reunidos numa cimeira ministerial, fizeram afirmações que podem vir a mostrar-se, no caso de virem a produzir frutos, extremamente penalizantes para Portugal. Em síntese, afirmaram que "era incrivelmente injusto, por parte da Europa, levantar barreiras ao comércio livre de produtos agrícolas, precisamente a área em que os países em vias de desenvolvimento tinham possibilidades de crescer mais depressa"; e concluiram, colocando como condição do dito acordo de comércio livre que a Comunidade acabe com os subsídios à agricultura europeia.
Quer isto dizer que, quando a necessidade chegar, bem podemos assistir à imposição, por parte de Bruxelas, de condições ruinosas para os agricultores portugueses, ainda que de forma mitigada e alongada no tempo.
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