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25.1.07

MEMORIA

O Governo, ao contrário dos Contribuintes, deve viver num país das maravilhas. Presumir que não há crises, que o desemprego crescente não arrasta a margem de manobra económica e financeira do pequeno empresário, que a margem de lucro é esmagada em tempos difíceis, que todos os negócios são iguais, que mesmo as taxas médias de lucro, em tempos normais, permitem pagamentos por conta – não devolutíveis – ao nível a que foram fixados, é viver num etéreo, irreal país das maravilhas. Ao fixar os pagamentos por conta por referência às vendas e ao nível a que os fixou, o Governo está a presumir que os negócios dão todos, pelo menos, uma margem de lucro líquida – note-se bem, LÍQUIDA, antes de impostos sobre o rendimento – de 10%. Faço um desafio ao Governo: que mande alguém comigo fazer as contas de tantas pequenas e médias empresas, de tanto pequeno comerciante. O qual, pura e simplesmente, não vai poder efectuar, por falta de recursos, os pagamentos por conta do IRC. E ninguém pode pedir a ninguém que faça mais do que aquilo que pode. Vão chover, portanto, os não pagadores do estabelecido pela Lei. E, desta vez, nem sequer vão ficar à espera dum qualquer perdão de juros para pagamentos atrasados. Porque não podendo pagar agora, nunca mais vão poder pagar.

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Como todas as leis cegas, também esta é absurda. E o que é mais lamentável é que não haverá modo de recuperar o que não for pago ao Estado. A justiça não poderá funcionar para tantos casos. É o entupimento. E, para ganhar justificação para eventuais exigências futuras, os pequenos e médios empresários procurarão arranjar as coisas de molde a que venha a verificar-se à posteriori, que não tinham nada a pagar por conta desde que não houvesse nada a pagar sem ser por conta.

E este é o outro absurdo. Como é que se pode pagar por conta de alguma coisa que, provavelmente, não existirá? Um absurdo traduzido apenas num nome sem qualquer significado real. Chama-se "pagamento por conta" como se poderia chamar "pagamento mínimo" ou "pagamento obrigatório" ou "confisco" ou "violência fiscal" ou quejandos nomes. Um pagamento que destrói o princípio constitucional de que cada um de nós – indivíduos ou entes colectivos – deverá contribuir, nos impostos, na medida do que pode. A justiça relativa entre os Contribuintes é totalmente destruída por esta norma iníqua inventada por Sousa Franco e revista e melhorada por todos os Ministros das Finanças que se lhe seguiram.
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Estamos a seguir um caminho profundamente errado. Que apenas tende a piorar as coisas. No próximo ano, face à evasão ou à falta de pagamento gigantescas que vão verificar-se, o Governo, se seguir na esteira do que agora faz, ver-se-á compelido a adoptar medidas que, cada vez mais, aproximarão da revolta geral os Contribuintes que ainda vão pagando alguma coisa. E uma revolta geral, em termos de Contribuintes, seria muito mais grave que uma greve geral declarada por todos os sindicatos e obedecida por todos os trabalhadores. Creio que o Estado, por falta de medidas corajosamente reformadoras do sistema fiscal por parte dos governantes, se aproxima perigosamente desse momento. Em outras funções que não estas que aqui desempenho, tenho bastante feed-back dos Contribuintes. E posso aperceber-me do crescente apelo à revolta fiscal. Se a surdez e a cegueira dos governantes persistirem, Deus nos ajude nos tempos que aí vêm.

Excertos da crónica O PAÍS DAS MARAVILHAS - Magalhães Pinto - Vida Económica - Novembro de 2002

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