(continuação)
O episódio marcá-lo-ia para toda a vida. Fora crescendo, com um fervor religioso cada vez mais forte. Aproveitara de alguns breves espaços para estudar à noite. Mas apenas conseguira fazer o ciclo preparatório. Pouco para grandes defesas na vida, mas suficiente para conseguir um lugar secundário numa companhia de seguros. E para o curso de sargentos milicianos, quando chegara o tempo do serviço militar. Outra dor de cabeça. O pré da recruta mal dava para pagar os francaletes em falta no bornal de acampamento, sempre os mesmos em cada vaga de instruendos. Mísera contribuição para o saco azul do primeiro-sargento da companhia, que nisto de sacos azuis não há nobres e plebeus. Tentara ficar dispensado do serviço, argumentando com a indispensabilidade do seu trabalho e do respectivo rendimento para o sustento da mãe e do irmão. Debalde. Em tempo de guerra não se dispensam homens. Aconhelharam-no a meter os papéis para receber uma pensão de amparo de família. Obtivera-a. Passara a receber alguns escudos. Não era muito, mas era melhor do que nada. E era a vontade de Deus.
Aplicara-se, como sempre fazia em tudo, durante a instrução militar. E fora o primeiro classificado, entre muitos. Chegou a ter pena. Talvez uma comissão no Ultramar fosse preciosa ajuda para melhorar as condições de vida da mãe e do irmão. Mas, com o primeiro lugar, provavelmente não chegaria a ser mobilizado. E, do modo como estavam as coisas, ninguém o livraria de três anos de serviço, na melhor das hipóteses. A maior parte dos quais como cabo miliciano, a ganhar noventa escudos por mês. Mas Deus não dorme. E graças à classificação obtida, o Álvaro fora colocado numa Unidade perto de casa. O que lhe possibilitara aproveitar do tempo disponível para trabalhar no escritório de um empreiteiro, a fazer cálculos para orçamentos. Trabalhava até altas horas da noite, que o salário era à hora. Mas conseguia, com isso, angariar uma remuneração mais ou menos decente, sem a qual, e não obstante a pensão de amparo de família, a mãe e o irmão passariam fome.
(continua)
Magalhães Pinto
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