(continuação)
Quase tudo homens com a farda do exército português. À primeira vista pareciam todos iguais. Mas os olhos de um militar experiente, como Mário já era, conseguiam notar as diferenças. Os recrutas distinguiam-se por ter muita gente à civil em seu redor e no modo desajeitado como usavam o barrete na cabeça, bico desalinhado do nariz. Não tinham, porém, ainda aquele ar grave característico dos mobilizados ou prontos para isso. Alguns não tinham companhia para amenizar a longa espera, notava-se. Esses passavam quase todos pelo sujo bar da estação, para uma última cerveja. Um pouco de álcool ajudava a vinda do sono na viagem incómoda, sobretudo para aqueles a viajaraem em segunda.
O comboio partiu, finalmente. No compartimento de Mário seguiam mais três militares. Após se terem cumprimentado, cada qual acomodou-se o melhor possível para dormitar. Não havia tema de conversa. A vida era igual para todos os militares e nenhum tinha novidades para contar. Ou se tinha, como Mário, era sobre as mobilizações e a guerra no Ultramar. E os militares procuravam evitar falar disso. Já bastava a cada qual ter o seu próprio problema para ainda partilhar o dos outros. O cheiro característico de mil passageiros entranhado no compartimento e o barulho dos rodados a passar nas juntas dos carris não deixaram Mário dormir. Uma das suas especialidades no serviço militar era precisamente a de ferroviário. Em Campo de Ourique aprendera a construir linhas ferroviárias. A orientar o tráfego ferroviário. Se isso determinasse o seu destino no Ultramar, ou iria para Angola ou para Moçambique, que nas outras não havia comboios. Mas Mário sabia não ser determinante a especialidade. A única coisa exigível a um mobilizado era saber pegar numa G3 e dar uns tiros. Em rajada ou tiro a tiro. Curioso, pensou Mário, meio amodorrado, de olhos fechados e cabeça reclinada na almofada do assento.
(continua)
Magalhães Pinto
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