. . . OS SINAIS DO NOSSO TEMPO, NUM REGISTO DESPRETENSIOSO, BEM HUMORADO POR VEZES E SEMPRE CRÍTICO. . .
Pesquisar neste blogue
2.11.07
OS HERÓIS E O MEDO - 73º. fascículo
(continuação)
Mário, ao contrário do habitual ao longo das suas muitas partidas desde o dia de assentar praça, não quisera ninguém a despedir-se de si na estação. Embora não fosse ainda a partida para o Ultramar, sabia que, a partir de agora, cada partida, fosse ela qual fosse, fosse ela de onde fosse, teria sempre o amargo sabor de separação quase definitiva. Passados os primeiros dias após a mobilização, começara a apresentar um ar quase descontraído quando era junto dos seus. Chegava mesmo a tentar brincar com a situação, procurando, assim, minorar as dores da separação iminente. Chegara à estação de S. Bento bastante antes da hora da abalada. Tomara o seu lugar na carruagem de primeira classe. Arrumara a maleta por cima do seu lugar e debruçara-se à janela, na tentativa falhada de espairecer. A estação, apesar de ser meia noite, era um formigueiro. Um ruído indecifrável de conversas em voz alta, ampliado no eco produzido pela cobertura da estação, enchia o ambiente até quase se tornar insuportável. De vez em quando, um assobio sibilino sobrepunha-se ao ruído e, por alguns instantes, este era abafado por uma locomotiva a iniciar a marcha, precedida pelo sopro dos freios a resfolegarem o ar comprimido. Caminhando em todas as direcções, homens e mais homens. Em grande maioria, os fardados. Só de longe a longe uma mulher. Uma mãe. Uma esposa. Uma namorada. Um engate de ocasião. Era fácil distingui-las. As mães mostravam cuidados especiais com o aspecto aprumado dos seus rapazes. E, de vez em quando, passavam a mão, meigamente, pelo seu rosto, numa carícia lenta, como se quisessem prolongá-la para além do tempo. As esposas mantinham-se caladas, disfrutando o calor do braço do militar em redor dos seus ombros. As namoradas eram perceptíveis por se manterem de mão dada todo o tempo até chegada fosse a hora da partida, olhos nos olhos, sorrindo tristemente. Os engates de ocasião conheciam-se pelo riso malandro quase permanentemente presente. Perdido nos seus pensamentos, Mário ia correndo o olhar por toda aquela azáfama.
(continua)
Magalhães Pinto
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário