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7.11.07

OS HERÓIS E O MEDO - 78º. fascículo

(continuação)

Quico. Raio de nome e raio de formato! Quem terá começado a chamar quico àquela coisa. Parece a quilha de um barco de pernas para o ar. Se é que os barcos têm pernas. As caravelas deviam ter cascos assim. A pala à frente é normal. Mas atrás, senhores! Uma pala atrás cortada em dois bicos. Guerra é cerimónia. Precisa de labita nem que seja só no quico. A abertura deixada pela labita do quico deve servir para deixar escoar depressa o pensamento. Não se pode pensar muito. Senão, o quico ainda fica sem utilidade. Anda! Caminha! Passada certa! Estrada acima soldado. Habitua-te, desde já, a caminhar acima e abaixo. Vais ver como esse hábito te vai ser útil lá em África. Se julgas que o Monte de Santa Quitéria, lá na tua terra, custa a subir, vais ver o que é uma serra nos Dembos ou em Tete, soldado. Uma curva e outra curva. Ainda não há emboscadas, soldado. Não precisas de sentir esse coração abafado pelo medo. Respira fundo enquanto podes. Cheira os pinheiros. Guarda o seu perfume, em nada semelhante ao do hibisco. Vais precisar dele para te recordares, de vez em quando, de que este mundo não é apenas uma selva. Anda! Caminha! Passada certa, soldado. Ainda não sabes, mas as tuas pernas são capazes de dar a volta ao mundo. E, sobretudo, soldado, não te esqueças, não percas, não estragues, o quico. Muitas vezes vais preferi-lo ao capacete. É mais leve. Que importa se não protege dos tiros? Far-te-á leve a cabeça. E cabeça pesada é a última coisa de que precisas na aventura que aí vem.

(continua)

Magalhães Pinto

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