Pesquisar neste blogue

17.11.07

OS HERÓIS E O MEDO - 88º. fascículo

(continuação)

As coisas más nunca acontecem quando se querem ou se está disponível para as receber. Naquela sexta-feira, Mário recebeu um telefonema da mulher a pedir-lhe para ir a casa nesse fim de semana. Problemas graves em casa dos pais exigiam o bom senso de Mário para serem resolvidos. Mas Mário estava de serviço nesse fim de semana. Em princípio, não podia ir. Para possibilitar a ida a casa do maior número possível de militares, as escalas previam serviços assegurados pelo mesmo militar durante quarenta e oito horas, em lugar das habituais vinte e quatro. A manutenção de moral elevado nas famílias era condição essencial para o esforço de guerra. Mas os apelos vindos de casa tornaram-se mais prementes. E era tão difícil encontrar algum substituto. O quartel esvaziava-se aos fins de semana. Mário foi falar com o capitão Soares da Cunha, comandante da sua Companhia, procurando autorização para ser substituído por um militar de graduação inferior à sua. Um madeirense ficaria no quartel e, a troco de cem escudos, faria o serviço de Mário. O capitão Cunha não autorizou. Mário ainda procurou falar com o comandante Soveral. Impossível. Abalara na quinta-feira para Lisboa. Já desesperava de conseguir resolver a situação, quando Álvaro se apercebeu da sua perturbação. Tem calma, Mário. Eu tenho que ir a casa, para ver como vão as coisas com a minha mãe e o meu irmão. Mas vou no Sábado e, em lugar de regressar na Segunda, venho no primeiro comboio de Domingo, que passa lá em baixo às sete da manhã. Faço o teu serviço no Domingo e, se andares lesto, ainda podes ir nesse dia ao Porto e vir, de modo a estares aqui na Segunda pela manhã. Mário recebia a primeira amostra de solidariedade entre expedicionários. Havia de ver muitas. A ponto da solidariedade entre todos eles ser algo banal. A ponto de se tornar conscientemente perceptível. Tão natural como respirar.

Na segunda feira seguinte, Mário estava de regresso, com os problemas resolvidos. Nunca mais se esqueceria da disponibilidade do companheiro.

(continua)
Magalhães Pinto

Sem comentários: