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3.11.07

OS HERÓIS E O MEDO - 74º. fascículo

(continuação)

Milhões de partidas. Milhões de chegadas. A quantas já assisti eu? Parece que Portugal está todo de viagem. A alegria e a tristeza, nunca fingidas, apenas separadas, as mais das vezes, por um breve fim de semana. Para a maior parte de vós, meus camaradas, o tempo passado no quartel é tão só um intervalo entre dois fins de semana. Ainda bem que há fins de semana. A disciplina seria muito mais difícil de manter se não existissem. A ameaça maior que se pode fazer a um soldado é retirar-lhe a licença de fim de semana. Pelo fim de semana sois capazes de comer merda, se for preciso. Sois capazes de satisfazer os maus humores do sargento instrutor com trinta flexões. Sois capazes de marchar em passo de corrida até os bofes sairem pela boca fora. Sois capazes de vos enfarruscardes mutuamente com caca de galinha, como vos vi fazer ali na Póvoa. Sois capazes de alombar com vinte e cinco quilos de equipamento numa marcha de vinte quilómetros, cada doloroso passo construindo um milímetro quadrado da mágica dispensa. Até vós, medrosos, sois capazes de saltar ao galho porque o aspirante, para vencer o vosso medo, pendurou a dispensa de fim de semana no dito. A vossa capacidade é feita de quarenta e oito horas de ilusão. Da passageira ilusão de uma liberdade transitória. Não passais de escravos do fim de semana, meus companheiros.

(continua)

Magalhães Pinto

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