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17.3.11

OS SOLDADOS DA GUERRA COLONIAL

Em defesa do Senhor Presidente da República e do seu recente apelo para que os jovens mostrem o mesmo empenhamento hoje que os soldados da guerra colonial mostraram há algumas décadas atrás, reproduzo novamente (adaptado a esta circunstância), o prólogo que escrevi para o meu livro Os Heróis e o Medo.

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A Pátria não tem rosto. Pátria é este conceito que nos une a todos, Portugueses, naquilo que de mais essencial temos: uma História comum, uma Língua comum, uma consciência colectiva de que fazemos uma unidade dentro da diversidade de povos do mundo, tradições e costumes comuns. Donde, a Pátria não tem rosto. Cada um de nós é uma célula do rosto da Pátria. Podemos estar em desacordo relativamente a muita coisa. Mas não temos, não podemos ter, desacordo nenhum quando Portugal é o tema e o motivo.

Mas a Pátria, se não tem rosto, tem, para alguns fins, donos. Donos são aqueles que, a cada momento, detêm o Poder de representar a Pátria. Sobretudo, têm o Poder de fazer leis, de adoptar comportamentos, de agir, em nome da Pátria. E foram esses que, em nome da Pátria, censuraram o Senhor Presidente da República. Foram esses que, provavelmente, nem por um segundo se lembraram de que estavam a dar à Pátria a legenda de mal agradecida.

Para o esforço de mais de um milhão de Portugueses passados por África nas guerras coloniais, não importa se o tempo, neste canto da Europa, era de ditadura ou democracia. O que verdadeiramente deve estar em perspectiva é o seu denodado sacrifício. Levado a cabo do jeito sempre usado pelos Portugueses. Com benevolência, com compreensão. Ainda nessas guerras esteve presente o espírito produtor da miscigenação. Os soldados portugueses demandantes de África na segunda metade do Século XX tiveram, com as populações nativas, de um modo geral, um comportamento nada condizente com um ambiente de guerra. Houve mortos, feridos, estropiados, é verdade. De parte a parte. Houve, aqui e além, uma atrocidade, é verdade. De parte a parte. Mas, escoados os primeiros momentos de terror e pânico, quando as atrocidades foram mais visíveis, não foi esse o tom geral da guerra. Esteve sempre presente, pelo menos entre os soldados – hoje ditos de ocupação e, então, de defesa – e as populações civis um clima de fraternidade. Sem prejuízo de uma ou outra excepção - isso mesmo, excepção - apenas os guerrilheiros eram tratados com alguma impiedade, sobretudo durante interrogatórios de guerra. Mas, mesmo assim, sempre procuraram os militares portugueses “recuperar” os prisioneiros. Muitos deles, depois de se terem batido no mato contra os brancos – o racismo, quando existia, tinha dois sentidos – perderam posteriormente a sua vida ou a sua integridade física nas milícias que, ao lado daqueles, combatiam os guerrilheiros da independência.

Aos homens que fizeram a Guerra Colonial foram pedidos sacrifícios incontáveis. Mal preparados, mal equipados, mal alimentados, mal alojados, com uma logística militar apenas sofrível, esses homens disponibilizaram – para utilizar uma frase feita de bélico sabor – sangue, suor e lágrimas sem conta. Sofreram na pele as dores da metralha e no espírito o pavor do medo. Um medo que sempre sobrelevaram. Que dominaram. Para dele partirem para tantos actos de heroísmo, de fraternidade, de solidariedade. De uma solidariedade não esgotada no companheiro de armas e que, muitas vezes, tinha as populações locais por objecto. Fizeram-no sem esperar agradecimentos. Mas também não esperavam o insulto do labéu, a ofensa do esquecimento. Se foi possível, a Portugal, voltar a África e aos territórios libertados, escassa meia dúzia de anos depois do fim da guerra, a esses homens e ao seu comportamento se fica a dever.

Rostos actuais da Pátria decidiram, ao censurar a expressão do Senhor Presidente da República, insultar os militares portugueses da década de sessenta. Não reparando que, com isso, estavam a insultar impiedosamente não apenas os militares expedicionários, mas também as suas famílias, as suas mães, os seus pais, as suas mulheres e, sobretudo, os seus filhos. Com um aflitivo impudor, os rostos da Pátria não pestanejaram sequer ao insultar a memória dos cerca de dez mil mortos portugueses provocados pela guerra colonial. Mortos aos quais, quer os “patriotas” queiram ou não queiram, a Pátria deve o sacrifício supremo das suas vidas.

Por isso escrevo estas notas. Para que, enquanto haja pelo menos um combatente da guerra colonial vivo, os insultos não passem calados. Por isso e para que os filhos e netos dos soldados que fizeram a Guerra Colonial saibam que os seus pais e avós – por mais insultados que sejam - foram heróis autênticos, amantes da Pátria, homens bons preocupados com os seus compatriotas, geralmente sem um átomo de racismo a toldar-lhes o espírito. Que fiquem a saber que eles, os seus pais e avós, tal como tantos outros feitores das mais belas páginas da nossa História, fazem jus à seguinte expressão, sem qualquer pudor, nesta circunstância, roubada aos lugares comuns da ditadura:

"Ditosa Pátria que tais filhos tem".

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