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24.4.07

CRONICA DA SEMANA (II)


É um lugar comum, imensas vezes recorrido, dizer que, em política, o que parece é. A frase é atribuída a muitos autores, sendo que um dos que mais vezes tenho visto citado é Oliveira Salazar. Porventura, é uma das verdades mais confirmadas do universo de lugares comuns mais frequentes. Não entendo bem porque é assim, se não aceitar que a esmagadora maioria dos cidadãos é estúpida e tem a memória muito curta. Estupidez e memória curta que, se forem verdadeiras, redundam reiterada e pronunciadamente em desfavor do próprio cidadão. Veja-se, por exemplo, a recente polémica sobre a formação académica do Primeiro-Ministro. O conjunto dos cidadãos esteve dividido num punhado de grupos essenciais:

- os disponíveis para aceitar que tudo não passava duma tramóia destinada a abater José Sócrates;

- os, no outro extremo, preparados para não aceitar nenhuma dúvida sobre a verificação de falcatruas;

- e um terceiro grupo, muito menor, de bem-intencionados, procurando descobrir, na montanha de argumentos e acontecimentos contraditórios, onde estaria a verdade.

Desde o início se percebia que a verdade final não iria ser atingida. Eventualmente, porque não há uma verdade absolutamente visível ou, se há, ela tenha sido facilmente escamoteável. Mas tal entendimento não evitou que uma série imensa de argumentos de sentido contrário fossem jogados com o intuito de criar confusão. Uma confusão que servia a parte inverdadeira, qualquer que ela fosse. Veja-se que:

- se José Sócrates foi realmente beneficiário de favores que lhe facilitaram a obtenção de um grau académico a que não fez jus, o melhor era a confusão; os males cusados pela dúvida seriam sempre menores do que os de tal certeza; e a parte contrária foi imptente para encontrar uma tal verdade;

- se José Sócrates teve um caminho impoluto, o melhor para a parte contrária também era a dúvida; os males causados pela dúvida sempre seriam maiores dos que os de uma tal certeza; e José Sócrates foi impotente de produzir provas irrefutáveis da sua tese.

Isto é, o caso foi colocado na praça pública e, fosse qual fosse a realidade, sempre haveria uma das partes que combateria pelo aparente.

Um dos argumentos mais confrangedores colocados na opinião pública foi o de que, para se ser bom Primeiro-Ministro não é necessário ter uma formação superior. E confrangia tal argumento por duas razões:

- a primeira, é a de que realmente assim é se, não dispondo de uma formação superior, a pessoa que ocupa tal cargo é experiente de vida; isto é, é capaz de saber por onde encaminhar o país sem necessidade da cultura escolar e da capacidade teórica que esta atribui. Em todas as profissões há práticos que excedem os teóricos. No cargo de Primeiro-Ministro também pode estar um. Todavia, não é esse o caso de José Sócrates. Que se saiba, só foi político. Só andou nas guerras partidárias e parlamentares e, mesmo assim, não por tanto tempo como isso;

- a segunda é que, apesar ou acima do que disse antes, colocar a discussão nesse plano era um absurdo; O problema não tinha que ver com a compacidade profissional de José Sócrates para o cargo de Primeiro-Ministro; tinha a ver com a sua capacidade moral, ética, para o cargo; chamar à colação o plano técnico em desfavor do ético era, nitidamente, lançar o aparente no meio do real para tapar o sol.

É neste quadro que é muito difícil entender a posição do Senhor Presidente da República, ao tentar desvalorizar a polémica. Outro lugar comum muito utilizado é o de que "o Presidente é a reserva moral da Nação". Pois bem, porque é isso, tem o iniludível dever de procurar que sejam esclarecidas todas as dúvidas que se coloquem neste plano. Cavaco Silva não o fez. Conhecendo-o como conheço, procurei razões para que tivesse agido de tal modo. Confesso que apenas encontrei uma. A de, suspeitando de que podia haver tramóia no caso, ter percebido – como nós também percebemos - que os males causados a Portugal, sobretudo numa altura em que nos preparamos para presidir à União Europeia, seriam enormes. E o intérprete do supremo interesse nacional teria, assim, privilegiado também a confusão face ao esclarecimento. Teria privilegiado o aparente face ao real, temeroso dos males que a verdade podia causar.

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Excerto da crónica O REAL E O APARENTE - Magalhães Pinto - "Vida Económica" - 25/4/2007

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