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17.4.07

A DUVIDA - 39º. Fascículo

(continuação)

Ao cingir-te bem a mim, sem te forçar e respeitando o teu corpo, como se estivesse a dançar com uma donzela, eu estava a dizer-te, Maria do Céu, naquela noite na Choupana, uma coisa muito importante, através dum gesto, sempre mil vezes mais eloquente do que um cento de palavras. Um homem, um só que fosse, respeitava-te, compreendia os abismos da tua alma, as fraquezas da tua natureza; e estava disposto a oferecer-te a sua mão para te servir de amparo no reequilíbrio ansiado. Não sei se entendeste, Maria do Céu, mas, ao ouvir junto da minha orelha a tua respiração pausada, ao sentir a carícia das tuas mãos no meu cabelo, julguei que sim! Por outro lado, não sou capaz de destrinçar, hoje, se naquela intenção havia só o desejo de te ajudar ou se, involuntariamente, eu era já, incentivado pela tua condição frágil e carenciada, presa dum sentimento de posse, de domínio, que o futuro iria acentuar.


Maria do Céu conheceu o Vítor nesse dia. Uma boa meia dúzia de anos mais novo do que eu, o Vítor geria o departamento de publicidade lá do jornal. Afável, bem falante, permanentemente bem disposto, conquistava a simpatia generalizada à primeira vista. Só ao fim de algum tempo, por continuada convivência, os mais despertos se apercebiam do seu carácter superficial, egoísta, sempre à descoberta dum universo egocentrado.

Inicialmente, Maria do Céu mal lhe prestou atenção, alheada da conversa, na observação de três ou quatro pares a soletrar um bolero, docemente, no meio da pista. Aos poucos, porém, os comentários jocosos do Vítor foram-na atraindo, invisíveis e tenazes fios duma teia invariavelmente por ele tecida em circunstâncias idênticas. Conhecia-o de gingeira! Ser ignorado por alguém em reunião social era o seu inferno! O entusiasmo do Vítor cresceu na medida dos sorrisos de Maria do Céu, chegando até a fazê-la gargalhar. Surpreendente! Mesmo conhecendo, como conhecia, os dotes do Vítor! Daí a nada convidou-a para dançar. Insistiu. Vem daí... Escolhe melhor as tuas companhias, Maria do Céu, porque pirolito sem gás não passa de água choca!... E Maria do Céu foi, depois de um contrafeito assentimento meu.

(continua)

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