(continuação)
Após o almoço, telefonei para o jornal, prevenindo da minha chegada tardia. E fui à Regaleira. Por acaso não teria por ali aparecido um isqueiro, perdido pela minha mulher, na véspera, à noite, depois do cinema? Ela fora lá, acompanhada duma amiga... Não, não estava lá nada, disse o empregado do balcão, depois de remexer numa gaveta, pelos vistos a servir de secção de perdidos e achados. No entanto, o melhor seria eu voltar à noite, quando estivesse de serviço o turno que entrava às onze horas. Podia acontecer o isqueiro ter sido guardado por algum dos empregados. Se eu soubesse a mesa onde elas tinham estado... Não, não sabia. Bom, não faz mal. Venha cá logo. Estarão, com certeza, todos cá e encontrará aquele que as serviu. Garanto-lhe que se ficou aí, aparece. O pior é se alguém se sentou na mesma mesa antes do empregado a levantar. Sabe como é, agora já ninguém liga a ser sério, continuou ele, sem reparar na contradição das suas afirmações.
Fui incapaz de me concentrar no trabalho. Era tempo de mais, para a violência da dúvida a ganhar foros de certeza, esperar até à noite. Às malvas o desconforto e os riscos de perguntar a Sueli. Procurei na lista telefónica, a esmo, os apelidos mais vulgares, na esperança de encontrar alguém com o prenome de Sueli. Nem me lembrei, sequer, de que esse era um nome de guerra. Em vão. Liguei para a Zélia. Certamente tinha o número de telefone da amiga. O desabar duma montanha de telexes, em cima da secretária, despertou-me do estado de alheamento criado por longo tempo a ouvir o sinal de tocar, sem resposta. Mentalmente, ouvia e revia a história contada por Maria do Céu, tentando encontrar, nas minhas reminiscências de Sueli, comportamentos que justificassem a sua participacão nos acontecimentos da véspera, tal como Maria do Céu os descrevera.
(continua)
Magalhães Pinto
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