(continuação)
Deitamo-nos. Maria do Céu estranhou a minha falta de resposta aos seus apelos de amor. Pela primeira vez, isso acontecia. Sentia-me como se tivesse gonorreia. Impedido de responder. Mas o meu espírito, pleno de visões confusas dum filme esquisito, protagonizado por ela, não conseguia soltar-se o suficiente para a criação das condições necessárias.
Adormeci, já muito tarde, extremamente fatigado.
VIII
Nunca to disse, Maria do Céu. Mas, no dia seguinte, parecia um adolescente, em rodopio constante, roído pela dúvida, na tentativa, algo vã, de inventariar o traço dos teus passos na véspera, no labor cego e inútil de refazer o passado no presente. Esquecendo, involuntariamente, que este não é senão uma fronteira imaginária, constantemente definidora de um ponto móvel, sem regresso. Só há passado e futuro. Com a tal fronteira imaginária, a que chamamos presente, de permeio. Creio que eu não ter entendido isso, quando foi necessário, contribuiu para as nossas consumições. Estive sempre a tentar trazer o passado para o presente, ignorando que este não existe. E que, para o futuro, se não deve levar.
Não sei se devido às particulares condições do nosso relacionamento, se devido ao facto de te ter já por minha riqueza única, numa vida tão vazia, se, ainda, por ter mais pressentido do que sentido o encobrimento dos teus pensamentos no episódio do Vítor, começara a revolver-me numa avidez quase mórbida de conhecer os teus actos, os teus desejos, os teus pensamentos, a tua alma. Uma ânsia de confusão entre o meu ser e o teu, a permitir-me coexistir contigo, no que fazias, desejavas, pensavas e sentias. Avidez transformada em autêntica paranóia, em vício incontrolado, desde os acontecimentos da véspera.
(continua)
Magalhães Pinto
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